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Também é claro o fato de que a menor agressividade do ato anestésico reduz sobremaneira os riscos para o paciente.

Poder­se­ia argumentar quanto ao risco de hipotensão, em virtude da vasodilatação na área abrangida pelo bloqueio

regional, entretanto Nunes et al.

4 mostraram que este risco é mínimo em cães não pré­medicados. Logo, quando for

possível evitar sedações que levem à perda significativa do tônus vasomotor, o risco de hipotensão será pequeno,

notadamente em animais em melhor estado clínico. De qualquer maneira, deve­se dar preferência à anestesia regional, em

detrimento da geral, sempre que possível. Sugere­se fortemente o emprego das anestesias espinais com o uso da técnica

clássica ou sua associação à inserção de cateter epidural, o qual permite alcançar porções mais altas da coluna vertebral e

possibilita o acesso contínuo ao canal no período pós­cirúrgico, de modo a instituir terapia analgésica medular adequada.

A anestesia espinal deve ser realizada em procedimentos entre as regiões retroumbilical e lombar, abrangendo a cauda. Já

o bloqueio do plexo braquial deve ser adotado em procedimentos em membros torácicos.

Os procedimentos na cabeça podem ser conduzidos com bloqueios de regiões cuja emergência dos nervos se faça pelos

forames mentoniano, infraorbitário e menotoniano. Evidentemente, mesmo os pacientes cooperativos não permitirão

retirada de neoplasias em regiões abrangidas pelos nervos troclear, abducente, oculomotor, do ramo facial do infraorbitário,

mandibular, maxilar e mentoniano, pois a simples manipulação, inclusive na ausência de dor, é desconfortável. A assertiva

também é válida para os bloqueios regionais por via espinal ou do plexo braquial em animais de temperamento indócil.

Nesses casos, mesmo a sedação potente pode não ser adequada. Assim, a anestesia regional transforma­se em adjuvante

da anestesia geral, a qual pode ser mantida em planos anestésicos superficiais o suficiente para impedir os movimentos

indesejáveis, mas não tão profundos para que as alterações cardiovasculares se mostrem em sua plenitude.

O emprego da lidocaína, da bupivacaína ou da associação de ambas é recomendado, mas deve­se estar atento ao uso do

vasoconstritor, o que pode ser contraindicado caso já tenha ocorrido toxicidade cardíaca em consequência da quimioterapia.

Para anestesias espinais em pacientes cuja doença oncológica presente favoreça a liberação de histamina, também deve ser

levado em conta o risco de anafilaxia, quando se opta por associação dos anestésicos locais a opioides agonistas mu.

Indução da anestesia geral

A maioria dos pacientes com doença oncológica deverá receber anestesia geral, seja para permitir imobilidade, quando a

anestesia regional não for suficiente, ou para que se possa proceder a intervenções de longa duração e de grande

invasibilidade. Haverá, portanto, a necessidade de indução adequada, e os fármacos à disposição permitem boa gama de

opções.

O propofol tem sido empregado em larga escala na rotina anestesiológica. A facilidade de administração, o baixo custo e

as características farmacocinéticas falam favoravelmente ao seu uso; entretanto, nos pacientes com câncer, este vasto

emprego pode ser limitado. Por exemplo, animais com sinais claros de toxicidade cardíaca não deveriam receber esse

fármaco como agente indutor, principalmente quando os reflexos da quimioterapia envolvem diminuição sensível do

inotropismo e redução do tônus vasomotor, uma vez que o propofol sabidamente interfere na pressão arterial, diminuindo

este parâmetro conforme a dose. Levando­se em conta que as doses para permitirem a indução anestésica e a intubação

orotraqueal não são pequenas, é fácil deduzir que nesses pacientes o risco de hipotensão causada pelo anestésico é grande.

Todavia, para o tratamento de animais com neoplasias, cujo comprometimento cardiovascular não é grave, ou daqueles

nos quais o câncer é doença simultânea àquele problema que exige cirurgia, e desde que a síndrome paraneoplásica, como já

descrito, não se mostra evidente, pode­se empregar o propofol com segurança. Mesmo nos pacientes em que haja

comprometimento hepático, seu uso pode ser realizado, uma vez que o fármaco não acarreta agravamento da lesão do

fígado e sua biotransformação; caso o órgão esteja inapto, pode seguir por via pulmonar e mesmo plasmática.

O mesmo não pode ser dito em relação ao tiopental. Sua extensa metabolização no fígado poderia agravar um eventual

comprometimento hepático. Por outro lado, são conhecidos os seus efeitos depressores do miocárdio, com redução

expressiva do inotropismo cardíaco. Em cães, este fato associado ao bloqueio vagal, que ocorre na indução anestésica,

elevaria o risco para o paciente cuja quimioterapia tenha provocado efeitos adversos sobre o coração. Nestes, a taquicardia

induzida pelo tiopental poderia levar à hipoxia do miocárdio, facilmente identificável no eletrocardiograma pelo aumento da

onda T, a qual se elevaria a mais de 1/3 da onda R, comprometendo o miocárdio já afetado pela toxicidade da

quimioterapia.

Por sua vez, o tiopental é conhecido pelo seu potencial arritmogênico, o que, nos pacientes como descrito anteriormente,

poderia produzir arritmia de difícil controle. Caso o animal a ser anestesiado não tenha sinais clínicos de comprometimento

cardíaco, hepático ou renal, já que o anestésico causa aumento da liberação de hormônio antidiurético e reduz o fluxo

plasmático renal, o fármaco pode ser empregado com relativa segurança, uma vez que foi demonstrado recentemente que o

tiopental causa poucos transtornos respiratórios, e seus efeitos sobre a pressão parecem menos evidentes que os do

propofol. Já nos animais com função cardiovascular comprometida ou síndrome paraneoplásica que afete esses sistemas, o

fármaco não deve ser utilizado.

A melhor opção quando se opta pela anestesia geral é a indução com etomidato. Em que pese sobre o fármaco seu

potencial emético no período inicial da sua administração, o que pode ser agravado pelo emprego de quimioterapia

determinante de toxicidade gastrintestinal, a ocorrência de vômitos é rara em pacientes pré­medicados com fenotiazínico ou

butirofenonas ou nos que recebem medicação antiemética simultânea ao tratamento químico do câncer.

O etomidato tem características farmacocinéticas que se traduzem em rápida redistribuição e metabolização do fármaco,

o que leva à anestesia de ultracurta duração, sendo seu uso indicado apenas na indução, não sendo anestésico que se possa

aplicar em infusão contínua, como o propofol; por sua vez, o etomidato atua de maneira mais discreta sobre a pressão

arterial que o propofol ou o tiopental e não tem potencial arritmogênico como este último.

Seus efeitos sobre o inotropismo cardíaco são irrelevantes; logo, o etomidato é o fármaco recomendado quando a

toxicidade cardíaca induzida pela quimioterapia ou o comprometimento cardiovascular induzido da doença oncológica estão

presentes. Ao anestesiologia cabe deixar à mão o material necessário à intubação, como sondas orotraqueais e

laringoscópio, assim como o equipamento de anestesia, que já deve estar pronto para o uso, uma vez que haverá pouco

mais de 1 ou 2 min. de tempo hábil para a intubação, contando­se o período transcorrido a partir da perda do reflexo

palpebral em cães, o qual, segundo o esquema clássico de Guedel, adaptado por Massone, identifica a perda do reflexo

laringotraqueal, o que permite a introdução imediata dotubo orotraqueal.

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Atuando dessa forma, utiliza­se tão somente a quantidade necessária do anestésico intravenoso e imediatamente passa­se

para a etapa seguinte do trâmite anestésico, reduzindo o risco inerente à anestesia geral, principalmente nos pacientes

acometidos por câncer, pelos motivos já expostos.

Em relação à cetamina ou à tiletamina, sabe­se que não são anestésicos gerais, mas podem ser fármacos úteis para a

indução anestésica de animais com doença oncológica, especialmente em virtude das características secretórias das

neoplasias e dos aspectos clínicos de uma eventual síndrome paraneoplásica, os quais ocasionam sintomas cujos reflexos

se fazem notar sobre a pressão arterial. É sabido que os agentes dissociativos podem promover elevação da pressão

arterial; assim, o anestesiologista pode optar pelo emprego destes fármacos na indução dos animais hipotensos, com maior

vantagem se for administrada medicação pré­anestésica com pouco ou nenhum efeito hipotensor. Também deve­se recordar

o que já foi dito quando da descrição da avaliação do paciente em seus aspectos renais, uma vez que os anestésicos

dissociativos são eliminados inalterados pelos rins.

Não se deve deixar de considerar o eventual potencial arritmogênico da cetamina e seu efeito sobre o coração, com

destaque para a taquicardia, a qual não deve ocorrer caso a insuficiência cardíaca ou os demais sinais de toxicidade estejam

presentes. Tal evento proporciona o risco de hipoxia, seguida de arritmia e assistolia, em uma grande porcentagem de

pacientes. Cabe ao profissional dosar os prós e contras relativos ao emprego dos dissociativos nos animais portadores de

neoplasias graves; entretanto, o uso desses anestésicos é seguro nos pacientes bem controlados quanto aos aspectos

cardiovasculares.

Anestesia geral intravenosa

A manutenção da anestesia geral intravenosa pode se transformar em problema de difícil solução em casos mais

complexos. Evidentemente, o emprego da infusão contínua de tiopental no paciente com câncer é prejudicado em

consequência do efeito cumulativo, o que causaria despertar excessivamente longo e desconfortável para o paciente.

Apresenta forte metabolização hepática, com consequências graves para os animais cuja doença acomete o fígado ou

naqueles submetidos à quimioterapia hepatotóxica e, finalmente, determina hemólise, impedindo seu emprego nos pacientes

com toxicidade sanguínea ou redução do número de eritrócitos em razão da existência de determinadas neoplasias.

Já o etomidato não se presta à infusão contínua. Tentativas nesse sentido resultaram em óbito de número razoável de

pacientes, cuja análise necroscópica mostrou hemorragia petequial em todos os tecidos, incluindo o cérebro. Resta ao

anestesista a infusão contínua de propofol. Este fármaco permite excelente controle da profundidade anestésica e pode ser

utilizado em pacientes com comprometimento das funções vitais, especialmente do tônus vasomotor e do inotropismo

cardíaco. O emprego do anestésico isoladamente exigiria doses excessivamente altas; logo, deve­se associá­lo a outros

fármacos, de modo que se utilizem menores taxas de infusão. A fentanila, por ser um opioide com meia­vida pequena e

consequentemente produzir seus efeitos por curto período, mostra ser adequada para infusão contínua e para associação

com o agente intravenoso.

Na anestesia total intravenosa com o propofol, o anestesiologista eventualmente se deparará com a redução importante do

volume minuto advinda da diminuição da amplitude e da frequência respiratória, ou de ambas, não sendo rara a apneia,

especialmente nos pacientes com comprometimento da função pulmonar. Desse modo, o profissional deve estar preparado

para instituir o suporte ventilatório adequado.

Os equipamentos de anestesia contam com ventiladores relativamente simples e que podem auxiliar em uma eventual

emergência, mas preferencialmente devem ser empregados dispositivos que permitam outros modos de ventilação que não

apenas o controle do volume ou da pressão. Atualmente, estão disponíveis equipamentos que permitem umidificar e

aquecer o gás inspirado. Estes permitem o suporte ventilatório com volume garantido e, caso o paciente apresente algum

potencial para inspirar por conta própria, pode­se aplicar a ventilação intermitente mandatória sincronizada. As

desvantagens afeitas a esses ventiladores computadorizados se devem ao alto custo de aquisição, à necessidade de

treinamento para seu emprego e à incapacidade de ventilar com anestesia inalatória.

Anestesia geral inalatória

Certamente, em cirurgias longas e naquelas cuja invasibilidade seja fator relevante, pode haver indicação do emprego da

anestesia inalatória e não é raro que se opte por ela em uma imensa variedade de procedimentos.

Ao longo da história, para manutenção da anestesia volátil, utilizaram­se o éter dietílico, o clorofórmio, o tricloroetileno,

o metoxifluorano, o enfluorano, todos abandonados no uso clínico rotineiro. Atualmente, o halotano tende cada vez mais a

fazer parte dessa lista de agentes anestésicos abolidos, em favor de fármacos mais recentes, dotados de características

farmacocinéticas e farmacodinâmicas mais adequadas e seguras.

Como já dito, o paciente com câncer pode apresentar liberação simpática, com descarga de epinefrina e norepinefrina em

consequência da dor. O halotano é conhecido por sensibilizar o miocárdio às catecolaminas, logo o seu emprego nesses

animais poderá ocasionar arritmias de difícil controle e, não raramente, fibrilação e assistolia. Este agente volátil também

produz diminuição sensível da pressão arterial e do inotropismo cardíaco; assim sendo, seu emprego é contraindicado na

anestesia de indivíduos que apresentem eventual toxicidade cardíaca induzida pela quimioterapia, com comprometimento da

força contrátil do coração e a redução da resistência vascular periférica. Complementarmente, ao contrário dos anestésicos

mais recentes, o halotano predispõe os pacientes à arritmia cardíaca, mesmo na ausência de níveis elevados de

catecolaminas.

Nos animais submetidos à quimioterapia e, por consequência, acometidos pela hepatotoxicidade, ou naqueles que

apresentem neoplasias localizadas no fígado, o halotano não deve ser utilizado, pois já foram descritos casos de icterícia

relacionados com o emprego deste anestésico. Adicionalmente, entre os fármacos voláteis atualmente em uso, o halotano é

o que tem a maior taxa de biotransformação hepática. Quanto aos rins, este anestésico inalatório reduz sensivelmente a taxa

de filtração glomerular e propicia a liberação de ADH. Portanto, também não deve ser empregado em pacientes com

tumores nos rins ou com comprometimento desses órgãos em virtude da quimioterapia. Por fim, o halotano, assim como o

isofluorano, reduz o número de células natural killer (NK) no homem, com consequências para a recorrência do tumor ou

facilitação de metástases. Contudo, esses fármacos inibem a toxicidade das células NK, pela interferona, em modelos

animais.

O emprego do isofluorano tem se difundido em Medicina Veterinária em razão das suas características farmacocinéticas

e farmacodinâmicas, aliadas ao baixo custo de aquisição e ao fato de ter coeficiente de solubilidade sanguínea menor que a

do halotano, propiciando indução e recuperação mais rápidas, sendo esta última tranquila e menos desconfortável para os

pacientes.

Ao contrário do halotano, o isofluorano não sensibiliza o miocárdio às catecolaminas, o que o torna uma opção para

animais com toxicidade cardíaca induzida por quimioterapia. A sua biotransformação ocorre em pequena porcentagem,

podendo o fármaco ser utilizado quando houver comprometimento da função hepática. Pelo fato de esse agente volátil

proporcionar melhor manutenção do fluxo plasmático renal, isso favorece seu uso em pacientes cujos rins estejam de

alguma forma comprometidos pela quimioterapia ou pela neoplasia. Na rotina anestesiológica atual, o isofluorano é o

fármaco de mais amplo emprego, inclusive nas cirurgias oncológicas.

Com uso mais restrito, destaca­se o sevofluorano. Este agente volátil encontra por vezes uma resistência injustificada

quanto ao seu emprego na rotina. É válido, até certo ponto, o argumento relativo ao alto custo de aquisição e à alta

concentração alveolar mínima, o que obriga o uso de maiores concentrações do fármaco na mistura inspirada; entretanto,

não é possível aceitar o argumento segundo o qual o sevofluorano torna difícil o controle da profundidade da anestesia, já

que é o primeiro anestésico volátil cujo coeficiente de solubilidade sanguínea é menor do que 1 (média de 0,84). Assim

sendo, a indução e a recuperação da anestesia são rápidas, mas a migração de um plano anestésico para outro também.

Evidentemente, exigem­se do anestesiologista o conhecimento necessário e o treinamento adequado para o uso do fármaco,

mas certamente o controle da anestesia é facilitado, não dificultado, com o emprego deste anestésico.

O sevofluorano, assim como o isofluorano, não sensibiliza o miocárdio às catecolaminas e já teve seu potencial

antiarritmogênico testado e confirmado em uma variedade de situações clínicas. Desse modo, pode ser considerado o

anestésico indicado para os pacientes cujos reflexos cardíacos da quimioterapia, da síndrome paraneoplásica ou do tumor

incluam as arritmias em seus diversos aspectos. Já foram observados casos nos quais a arritmia ventricular cessou,

enquanto o paciente estava sob os efeitos do sevofluorano, e voltou a se manifestar no período pós­anestésico imediato.

Por sua vez, a taxa de metabolização hepática é maior que a do isofluorano, mas não foram identificados sinais de

toxicidade hepática em animais submetidos ao agente volátil. O uso do sevofluorano pode e deve ser utilizado nos pacientes

com comprometimento cardiovascular simultâneo com a lesão hepática pela neoplasia ou quimioterapia.

Quanto aos pacientes cujos rins estejam comprometidos, deve­se atentar para uma característica importante mais afeita

ao sevofluorano que aos demais agentes. Este anestésico pode se degradar, resultando na perda do fluoreto de hidrogênio

com a formação do fluorometil pentafluoroisopropenil éter (composto A), o qual tem potencial nefrotóxico. Embora a

degradação do sevofluorano esteja mais relacionada com a interferência alcalina do filtro de dióxido de carbono baseado em

grânulos de cal sodada, principalmente na presença de calor, a preocupação com este efeito pode ser minimizada com uso

do agente volátil cujo frasco foi recentemente aberto e o canister do equipamento de anestesia tenha recebido novo conteúdo

de grânulos recentemente.

O emprego de fluxos mais elevados de gás diluente também favorecerá na atenuação do calor gerado pela reação

exotérmica existente entre o dióxido de carbono e a cal sodada, reduzindo uma eventual formação de composto A. Cabe,

portanto, ao anestesiologista pesar as vantagens e desvantagens do emprego do sevofluorano no paciente com alterações

renais advindas do problema primário ou das consequências do tratamento ao qual vem sendo submetido.

Embora os efeitos do sevofluorano sejam discretos, suas ações sobre as células NK ainda são objeto de estudo.

Mais recentemente, o desfluorano foi introduzido no arsenal de fármacos destinados à anestesia volátil. Os efeitos deste

fármaco sobre os pacientes com câncer ainda não foram bem estabelecidos. Todavia, já foram realizados testes que

permitem indicá­lo em uma variedade de situações. Nesse sentido, estudos comparando o potencial antiarritmogênico do

desfluorano com o do sevofluorano mostraram que o primeiro supera o segundo com ampla margem. Isso permite deduzir

que, nos animais cujo uso de quimioterapia tenha desencadeado cardiotoxicidade com reflexos sobre o ritmo cardíaco, o

desfluorano seja o anestésico de eleição. Complementarmente, o fármaco é um dos poucos em uso que tem ação

simpaticomimética, determinando discreto aumento da frequência cardíaca e manutenção da pressão arterial.

A metabolização é virtualmente nula, sendo descritas taxas ao redor de 0,02%, e os poucos metabólitos não têm

potencial hepato ou nefrotóxico, e complementarmente o desfluorano mantém o fluxo plasmático renal. O coeficiente de

solubilidade sanguínea é menor que o do sevofluorano. Testes feitos em animais mostraram que as induções da anestesia

pelo agente volátil administrado por máscara facial vedada e pelo propofol ocorrem em tempos iguais. O período de

recuperação é rápido, e já foram observados cães deambulando sem incoordenação motora, decorridos 60 s do término do

fornecimento de desfluorano. O retorno da consciência ocorre sem excitações, sendo tranquilo e não desagradável para o

paciente.

Ainda estão em estudo os efeitos do fármaco sobre a celularidade sanguínea, mas existe contraindicação importante ao

emprego do desfluorano.

Em pacientes hígidos, este anestésico aumenta o shunt pulmonar em uma proporção 40% maior que o observado nos

outros agentes voláteis. Também ocorrem irritação brônquica, aumento de secreções nas vias respiratórias e, se utilizado na

rotina, com o uso de máscara facial, pode levar a um grau de irritação de mucosas que torna o risco de laringospasmo

muito elevado.

Isto posto, torna­se evidente que o desfluorano é contraindicado nos pacientes tratados com quimioterápicos como a

debleomicina, que produzam alterações pulmonares de qualquer monta. Também não é possível o uso do anestésico em

neoplasias pulmonares ou naquelas que invadam o tecido pulmonar ou as adjacências.

Finalmente, como se pode deduzir do exposto anteriormente, a escolha do anestésico volátil deve estar de acordo com

cada paciente, não existindo um fármaco soberanamente superior aos demais, para produção de anestesia no paciente com

câncer.

Monitoramento da anestesia

Muito já foi escrito sobre as técnicas de monitoramento do paciente anestesiado; logo, procurou­se aqui apenas relembrar

os princípios básicos da avaliação transanestésica, voltando o foco para a presença do câncer.

Já foram comentadas anteriormente as consequências da toxicidade cardíaca, assim é evidente a necessidade de efetuar a

avaliação eletrocardiográfica prévia à anestesia e complementar este exame com a ecocardiografia e, se possível, a

mensuração não invasiva do débito cardíaco. Durante o procedimento anestésico, o monitoramento do traçado pode ser

feito com monitores mais simples, mas é preferível o uso de eletrocardiógrafos computadorizados, os quais permitem

mensurar com rapidez a duração e a amplitude das ondas, bem como o comportamento dos intervalos entre elas e as

eventuais figuras eletrocardiográficas anômalas. Em muitos casos, não haverá a possibilidade do uso dos eletrodos

precordiais, mas um monitoramento adequado da função cardíaca pode ser feito apenas com as derivações de membros,

notadamente a DII.

O débito cardíaco poderia, em tese, ser monitorado durante o ato cirúrgico, mas na prática o método não invasivo por

ecocardiografia não pode ser realizado apor causa da presença necessária de panos de campo, da posição do paciente e da

interferência do cirurgião, entre outros aspectos. Por outro lado, a técnica de mensuração por termodiluição coloca o animal

em risco de desenvolvimento de arritmias de difícil controle e exige um alto grau de invasibilidade intracardíaca. Assim, é

permitido abdicar da mensuração do débito cardíaco.

O mesmo não pode ser dito com relação à pressão arterial. Este parâmetro pode ser mensurado por métodos não

invasivos, os quais não permitem uma observação plenamente confiável. Entretanto, o método direto é facilmente aplicável

e a literatura é farta quanto aos meios de avaliar de modo inequívoco a pressão. Atualmente e especialmente nos portadores

de doença oncológica, não se admite o não monitoramento deste parâmetro.

Hoje em dia, a avaliação da saturação da oxi­hemoglobina pela oximetria de pulso é de custo relativamente baixo, e seu

emprego permite prever com boa antecipação a hipoxia, muito antes que o evento coloque o paciente em risco imediato.

Como já explicado anteriormente, deve­se levar em conta a quantidade disponível de hemácias, pois o cálculo é feito com

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base em porcentagem. Este método de monitoramento aliado à capnometria fornece excelentes informações sobre a

ventilação e a capacidade de transporte de oxigênio, bem como permite ter uma ideia das possíveis alterações da hematose,

auxiliando o profissional na correção de uma eventual apneia ou nos ajustes para o fornecimento de um suporte ventilatório

mecânico adequado ao paciente.

Evidentemente, o monitoramento da profundidade da anestesia geral deve ser feito observando­se os planos e estágios da

anestesia segundo Guedel, como já dito. Todavia, ocasionalmente, o profissional se deparará com situações nas quais a

observação dos reflexos oculopalpebrais não será possível, seja porque a cirurgia está sendo realizada para a remoção de

tumores nos olhos ou na periferia ou porque o ato cirúrgico foi conduzido na boca ou em outras regiões da cabeça. Nesses

casos, embora a mensuração da pressão arterial, das frequências cardíaca e respiratória, entre outros, possa dar uma ideia

do aprofundamento ou superficialização da anestesia, não é possível correlacionar o estágio e o plano da anestesia com

valores obtidos desses parâmetros.

Para solucionar esse problema, o anestesiologista tem à sua disposição os monitores de Índice Biespectral (BIS), já

citados anteriormente. Os valores de BIS respeitam uma escala arbitrária que vai de 0 a 100, em que o menor valor referese a pacientes isoelétricos (em óbito) e o maior indica paciente desperto. A confiabilidade da leitura pode ser confirmada

pela qualidade de sinal, que deve ser máxima; pela eletromiografia, que necessita ser nula; e pela taxa de supressão de

sinais falsamente interpretados como isoelétricos, a qual deve ser próxima a zero. O equipamento indica em sua tela esses

achados em forma gráfica e numérica. Os valores de BIS já foram validados para cães, e sabe­se que o paciente está em

plano anestésico cirúrgico e seguro quando são lidos valores entre 55 e 65 no painel principal.

Finalmente, como será visto ao longo deste livro, os pacientes com câncer poderão sofrer de complicações ligadas ao

equilíbrio hidroeletrolítico e o anestesiologista não poderá se furtar à avaliação hemogasométrica, a qual permitirá obter

informações relativas ao pH, PaO2, à pressão parcial de dióxido de carbono no sangue arterial (PaCO2), ao excesso ou

déficit de bases, à saturação da oxi­hemoglobina e a uma série de eletrólitos, os quais serão em maior ou menor número,

conforme as características e o custo do equipamento.

Considerações finais

Diante do exposto, depreende­se que não existe uma fórmula pronta para a anestesia nos pacientes acometidos pelo câncer.

Cada caso deve ser estudado cuidadosa e individualmente e as escolhas dos métodos e dos fármacos devem obedecer à

análise criteriosa do anestesiologista, o qual é em suma o guardião da vida durante o ato cirúrgico. Finalmente, é dever dos

autores reforçar a importância da avaliação pré­anestésica nos pacientes submetidos à quimioterapia, importância essa

perpetuada na citação de autoria de Michael F. Roizen, publicada em seu magistral capítulo intitulado “Consequências

Anestésicas de Doenças Simultâneas”, no Tratado de Anestesia compilado por Ronald D. Miller: “Quando em dúvida a

respeito dos efeitos colaterais em pacientes submetidos à quimioterapia do câncer, minha prática é a de procurar

aconselhamento com dois especialistas”.

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Aspectos históricos

Apesar de a história da cirurgia ter registros que datam de 4.000 anos, as primeiras citações sobre os procedimentos

cirúrgicos oncológicos são de 1.600 a.C., encontradas nos manuscritos do arqueólogo americano Edwin Smith. A era

moderna da cirurgia abdominal começou nos EUA no ano de 1809, no dia de Natal, quando um médico do Kentucky,

Ephraim McDowell, ressecou com sucesso um grande tumor de ovário. Em 1881, Wöefler usaria uma gastrenterostomia

para derivar uma lesão maligna gástrica. Também em 1881, Albert Christian Theodor Billroth, cirurgião vienense, realizou

com sucesso a primeira ressecção gástrica, em virtude de um câncer obstrutivo de piloro. A reconstituição do trânsito

digestivo deu­se por meio de gastroduodenostomia, o que viria a receber a denominação de Billroth I. Apesar do êxito da

intervenção cirúrgica, a paciente teve sobrevida de 14 meses, vindo a morrer por disseminação da neoplasia. Em 1897, o

médico Carl Schlater realizou com sucesso a primeira gastrectomia total por doença maligna.

Os primeiros anos da cirurgia oncológica foram marcados por uma série de obstáculos, como instrumentos cirúrgicos

inadequados, inexistência de antimicrobianos, dificuldade de avaliação sistêmica da doença em consequência de carências

de aparelhos e exames específicos, inexistência de anestesia inalatória, incapacidade para transfusões sanguíneas e

dificuldade no controle pós­operatório, no tocante à inflamação e contaminação.

Três importantes fatores marcaram o desenvolvimento da cirurgia oncológica: a introdução da anestesia geral por

William Morton e Crawford Lord a partir de 1846; a prática da antissepsia iniciada por Joseph Lister em 1867; e a

introdução dos princípios de ressecção em bloco, a exemplo da mastectomia radical, a partir de 1890. Além disso, nessa

época, iniciou­se o uso de opioides como analgésicos para tais procedimentos.

O método cirúrgico preconizado por Halstead, a ressecção com linfadenectomia, causou grande impacto na cirurgia

americana em seres humanos e se propagou e concretizou como linha cirúrgica de pensamento a ser seguida mundialmente.

Ademais, com o advento das modalidades anestésicas e da antissepsia, houve grande avanço nos procedimentos cirúrgicos

agressivos objetivando o tratamento do câncer.

Nos primórdios, a cirurgia oncológica era fundamentada em três aspectos: técnica cirúrgica meticulosa, princípio de

ressecção em bloco e estabelecimento de margens de ressecção adequadas. Atualmente, com maior acurácia no que tange ao

conhecimento dos aspectos biológicos das neoplasias malignas e ao enfoque terapêutico multidisciplinar, a cirurgia

oncológica teve mudanças não em seus princípios básicos, mas no que se refere a aspectos até então desprezados e mal

compreendidos, o que possibilitou melhor qualidade de vida, sem perda da eficácia terapêutica. Um exemplo disso no

homem é o osteossarcoma, que, até 1972, era tratado com cirurgias mutiladoras, amputações e desarticulações, e mesmo

assim 85% dos pacientes faleciam entre o 1

o e o 2

o ano de tratamento. Hoje, com o advento dos fármacos antineoplásicos e

com a abordagem terapêutica multidisciplinar, esses pacientes são submetidos a intervenções cirúrgicas conservadoras, com

perspectiva de cura 50 a 60% maior. Alguns animais também têm sido submetidos à cirurgia óssea conservadora. A

preservação do membro com substituição do tecido doente por implantes tornou­se cada vez mais difundida e praticada.

Os avanços tecnológicos representados pelos procedimentos diagnósticos no aspecto biomolecular, nas técnicas de

imagem por meio de ressonância magnética, tomografia computadorizada e ultrassonografia, aliados às vantagens da

videocirurgia, beneficiam os pacientes, evitando, dessa forma, que sejam expostos a extensas ressecções, muitas vezes não

cosméticas, impróprias, diminuindo a qualidade de vida do paciente.

Princípios

A cirurgia oncológica deve seguir os princípios da cirurgia geral, ou seja, uso de técnica asséptica, evitar traumas em

excesso, com parcimônia nas divulsões, para não provocar possível contaminação do campo operatório com células

neoplásicas ou mesmo patógenos, hemostasia meticulosa, obter margens livres de células tumorais e, finalmente,

reconstituir os tecidos conforme os princípios da cirurgia plástica e reconstrutiva.

Apesar de controversa, a utilização da anestesia infiltrativa pela técnica de tumescência tem sido crescente na Medicina

Veterinária. A solução composta de um anestésico local, um fármaco vasoconstritor, uma substância reguladora de pH e

uma solução estéril de uso intravascular tem demonstrado propiciar bons resultados, entre eles melhor estabilidade de

parâmetros fisiológicos, segurança, analgesia e conforto pós­operatórios em cadelas submetidas à mastectomia. Alguns

estudos demonstraram em humanos a ocorrência de necrose focal após infiltração de anestésicos intratumorais. No entanto,

há consenso de que a analgesia pós­operatória é mais eficaz quando é utilizado tal método.

Realiza­se irrigação abundante do campo operatório com solução fisiológica 0,9% após a exérese neoplásica, embora

esse procedimento não seja unânime entre os cirurgiões oncologistas, principalmente quando a neoplasia se encontra em

cavidades corpóreas. Entretanto, há consenso de que a irrigação não é prejudicial, pois permite a remoção de tecidos

desvitalizados, corpos estranhos, coágulos e microrganismos, minimizando a resposta inflamatória.

O uso do bisturi elétrico e do eletrocautério é recomendado para a adequada hemostasia, etapa fundamental no período

perioperatório na ressecção de tumores. Outra importante manobra é evitar ligaduras por meio de suturas inseridas

próximas às bordas da neoplasia, pois acidentalmente a agulha pode provocar perfurações e contaminação do campo

cirúrgico. As ligaduras em massa, como no omento, são contraindicadas, pois podem comprimir e romper o tumor,

ocasionando extravasamento de células neoplásicas.

A manobra cirúrgica para ressecção neoplásica, quando possível, se faz por meio de dissecção romba. É importante

ressaltar que a diérese por descolamento somente poderá ser realizada nos tumores passíveis de dissecção romba. Forçar

esse tipo de excisão em neoplasias aderidas, circundadas por tecido fibroso, pode intensificar a reação inflamatória nas

estruturas e nos tecidos circunvizinhos, podendo promover e facilitar a disseminação de células oncogênicas. Nos tumores

infiltrativos e fortemente aderidos aos tecidos adjacentes, a diérese deve ser efetuada de preferência com o bisturi, o qual

permite a ressecção de maneira menos traumática quando comparada às excisões com tesouras. Demonstrou­se isso em

estudos experimentais, nos quais se observou que, com frequência, as neoplasias podem se desenvolver a partir de células

tumorais implantadas em tecidos traumatizados.

Nos casos em que houver indicação do uso de drenos, tanto os de sucção como os de drenagem, no intuito de minimizar

a ocorrência de seromas, abscessos e deiscência da sutura, há necessidade de serem corretamente inseridos e muito bem

fixados, prevenindo a probabilidade de solturas ou mesmo a formação ainda maior de coleções de líquidos. Nos casos em

que houver mais chances de permanecer espaço morto, hematomas ou seromas após ressecção tumoral incompleta, indicase invariavelmente a colocação de drenos, minimizando chances de células neoplásicas acessarem áreas além do campo

operatório; não obstante, fluidos possam também ser dispersos por todo o espaço subcutâneo durante a movimentação do

paciente.

Recomenda­se optar por material de sutura de estrutura monofilamentosa, pois se observou, experimentalmente, que as

células neoplásicas podem se aderir com mais facilidade na forma multifilamentar, favorecendo as recidivas.

Importância

O tratamento cirúrgico foi a primeira medida terapêutica utilizada para conter a evolução das neoplasias, apesar de

inicialmente ser realizado de forma empírica, na maioria das vezes, por falta de conhecimentos sobre o comportamento

biológico dos tumores.

A cirurgia extirpativa foi a primeira modalidade de tratamento que alterou de modo significativo a evolução das

neoplasias. O tratamento de neoplasias por meio da intervenção cirúrgica apresenta algumas vantagens, entre elas:

• Pode curar grande número de casos com doença localizada

• Não tem efeitos carcinogênicos

• Não causa resistência biológica

• Fornece avaliação local com segurança

• Auxilia no estadiamento.

Entre as principais desvantagens do tratamento cirúrgico, é possível citar:

• Não atua de modo específico em tecidos comprometidos pela malignidade, aderidos em outras estruturas e com ausência

de margens seguras

• Pode trazer riscos e/ou morbidade ao paciente

• Pode causar deformidades ou perdas de funções orgânicas ou funcionais

• Não cura os casos com doença disseminada (metástases).

Apesar do caráter multidisciplinar na terapêutica do câncer, a intervenção cirúrgica é de grande importância e constitui­se

em uma das principais modalidades de tratamento para os tumores passíveis de remoção completa em cães e gatos. Isso

ocorre em razão de a ressecção cirúrgica ser método terapêutico eficaz no controle de neoplasias locais e também em

virtude da disponibilidade limitada de outras modalidades de tratamento, por exemplo, a radioterapia.

Se a neoplasia for primária ou estiver acometendo linfonodos regionais, a cirurgia e a radioterapia consorciadas

prevalecerão como a principal modalidade terapêutica. Nos casos em que houver metástases, essa associação terapêutica

tornar­se­á paliativa, uma vez que agirá de forma localizada, não possibilitando a atuação sistêmica.

Atualmente, com a definição de que o tratamento do câncer é de natureza multidisciplinar, o cirurgião oncologista tem

função importante na equipe. Deve planejar e executar uma série de procedimentos, como os de diagnóstico, o estadiamento

da doença, as ressecções com finalidades curativas, encaminhar o paciente para modalidades terapêuticas adjuvantes,

executar procedimentos com fins paliativos, promover vias de acesso para a infusão de quimioterápicos e suporte

nutricional, e, não obstante, realizar intervenções de urgência, como complicações da doença ou do tratamento.

Em razão dessa multidisciplinaridade em relação ao tratamento, o cirurgião oncológico, além de dominar e atuar dentro

dos princípios cirúrgicos desta especialidade, deve conhecer o comportamento biológico das diversas neoplasias para

integrar o tratamento cirúrgico às demais modalidades terapêuticas adjuvantes.

Apesar de a intervenção cirúrgica ser opção terapêutica com ampla indicação, principalmente nos tumores localizados, é

ético evitar procedimentos desnecessários, como uma ressecção tumoral em um paciente terminal, pois muitos deles trazem

outras enfermidades concomitantes, aumentando a chance de óbito ou mesmo declinando o prognóstico. Há 20 anos, na

área médica, inúmeros pacientes foram submetidos à laparotomia sem benefício algum. Embora ocasionalmente ainda seja

necessário submeter alguns animais à laparotomia para diagnóstico, isso é cada vez mais raro. Atualmente, dispõe­se de

investigações pré­operatórias, como biopsia com agulha fina, ultrassonografia, tomografia computadorizada e ressonância

magnética, que evitam a abordagem cirúrgica potencialmente desnecessária.

O diagnóstico feito por meio da videocirurgia é ferramenta cada vez mais utilizada na Medicina Veterinária. Além disso,

ressecção de tumores por meio dessa técnica também está em ascensão. A maior disponibilidade de equipamentos e pessoal

treinado para seu uso torna tais procedimentos mais frequentes em nosso meio.

Outra ferramenta diagnóstica útil no tratamento das neoplasias é a ultrassonografia intraoperatória, que auxilia de forma

particularmente vantajosa no câncer de fígado e de pâncreas, em que pode diagnosticar outros tumores que não foram

observados por meio da tomografia computadorizada, da ultrassonografia convencional ou da ressonância magnética préoperatórias e que não são palpáveis à cirurgia. Assim, podem ser evitadas hepatectomias e pancreatectomias impróprias.

No que se refere ao diagnóstico pré­operatório, a maioria é realizada pelos radiologistas por meio de ressonância

magnética, ultrassonografia, tomografia computadorizada e biopsia por agulha fina guiada por imagem. O cirurgião pode

ainda precisar obter amostras teciduais antes da ressecção, por meio de procedimentos como biopsia endoscópica,

laparoscópica e, algumas vezes, biopsia cirúrgica aberta.

Em muitos casos, o estadiamento pode não ter sido definido até o momento da intervenção cirúrgica. Alguns tumores

secundários, como os hepáticos, podem ser minúsculos e não são observados nas avaliações pré­cirúrgicas. Assim, há a

possibilidade de algumas neoplasias secundárias não serem detectadas pela laparoscopia.

O aspecto mais importante da função do cirurgião em termos de estadiamento é a obtenção da amostra, pois o guia

definitivo da extensão da disseminação do tumor é a amostra ressecada. Muito importante é a avaliação referente à invasão

de linfonodos adjacentes e vasos sanguíneos e linfáticos, que são o fundamento do futuro tratamento e prognóstico. A

obtenção da amostra de tecido neoplásico é de fundamental importância no que se refere ao estadiamento do tumor para

aquisição de dados concernentes à disseminação da lesão.

Objetivos

A cirurgia é um método efetivo no tratamento da maioria dos tumores sólidos em cães e gatos e em muitos casos oferece

possibilidade de cura.

A intervenção cirúrgica no paciente oncológico visa a atingir os seguintes objetivos:

• Definição do diagnóstico

• Ressecção e tratamento definitivo das neoplasias sólidas e únicas

• Citorredução prévia ou adjuvante à quimioterapia e radioterapia

• Controle da dor em todos os pacientes oncológicos

• Profilaxia, como a castração precoce de cadelas, com o objetivo de evitar neoplasias mamárias.

Cirurgia com finalidade diagnóstica ﴾biopsias﴿

A cirurgia diagnóstica, também conhecida como biopsia a céu aberto, viabiliza a obtenção de amostras sob visão direta e

em quantidade adequada para exames histopatológicos, imuno­histoquímicos e moleculares. A obtenção de material pode

ser por biopsia incisional e excisional, citologia aspirativa com agulha fina (CAAF) e com agulha grossa (Tru­cut).

Convém salientar que a CAAF é método indicado para diagnóstico citológico, em particular para lesões superficiais,

dispensando­se o uso de imagens para dirigir a punção, na maioria dos casos.

A CAAF é a técnica menos invasiva na obtenção de informações sobre a neoplasia antes da cirurgia. A acurácia depende

de vários fatores, incluídos o tipo de tumor, a localização e a quantidade de tecido inflamado adjacente. São relatadas 89%

de sensibilidade e 100% de especificidade. Alguns estudos comparam o diagnóstico obtido por citologia e histopatologia,

obtendo­se 91% de concordância entre os exames. Entretanto, em alguns casos, a histopatologia torna­se essencial na

confirmação do diagnóstico. Isso pode estar relacionado com a experiência do patologista que analisa a amostra citológica e

também com o tipo de neoplasia. Por exemplo, a classificação do tumor pode ser obtida (sarcoma), porém a identificação

correta requer avaliação histopatológica.

Casos suspeitos de hemangiossarcomas esplênicos ou hepáticos não devem ser submetidos à CAAF por causa das altas

chances de hemorragias.

Outro método simples de obtenção de amostras se dá por meio da citologia esfoliativa, como a endoscopia

gastrintestinal, a broncoscopia, a rinoscopia ou a cistoscopia (Figura 12.1).

As biopsias com agulha grossa (Tru­cut), guiadas por exame de imagem, facilitam a obtenção de maior quantidade de

material a ser analisado pelo patologista, permitindo inclusive determinar o grau histológico da neoplasia. Essa técnica é

bastante segura quando realizada por profissional experiente.

Figura 12.1 Imagem fotográfica de exame broncoscópico de cão visibilizando a carina traqueal (seta preta) e o início dos

dois brônquios principais (setas azuis).

As biopsias ósseas com agulha de Jamshidi, sempre que possível, devem ser guiadas por exame de imagem, no intuito

de evitar lesões em nervos, vasos, ou ainda invadir espaços articulares. Devem ser coletadas duas a três amostras do centro

da lesão, o que é determinado pela imagem radiográfica. É uma técnica que apresenta 82% de especificidade para o tipo de

neoplasia e 92% no diagnóstico diferencial para outras causas, por exemplo, a osteomielite. Além da avaliação

histopatológica da amostra, recomenda­se a realização da cultura microbiana e fúngica e de antibiograma.

Os procedimentos cirúrgicos realizados para coleta de amostras para exames histopatológicos podem ser realizados por

meio de biopsias incisionais ou excisionais, o que permite a obtenção de grande quantidade de tecido a ser analisado.

Biopsia incisional

A biopsia incisional compreende a obtenção de amostras por meio de incisões que envolvem tecidos tumorais e tecidos

normais adjacentes, e pode ser realizada com tesoura, bisturi ou punch (Figura 12.2). É indicada principalmente para lesões

na derme ou epiderme de origem desconhecida. Apesar de ser uma técnica empregada com frequência para definição

diagnóstica, há descrições de que esse procedimento pode favorecer a disseminação sistêmica da neoplasia, pois os fatores

de crescimento e os angiogênicos necessários à reparação tecidual podem ser similares aos relacionados com a proliferação

tumoral. A disseminação da neoplasia por meio da biopsia é relatada tanto nos casos de biopsia incisional quanto nas

biopsias aspirativas por agulha fina.

Outro método de obtenção de biopsias incisionais é realizado por meio da endoscopia, em que amostras do trato

gastrintestinal podem ser obtidas com mínima intervenção.

Biopsia excisional

A biopsia excisional é um método que abrange diagnóstico e tratamento, pois tem o objetivo de remover por completo a

massa suspeita, e deve ser realizada sempre com margens de segurança (Figura 12.3). As margens necessárias dependem

muito do tipo de neoplasia, o que reforça a necessidade de diagnóstico pré­operatório para o adequado planejamento

cirúrgico.

Deve­se solicitar ao patologista a análise das margens, a fim de verificar se houve ou não ressecção completa da

neoplasia. Para isso, o tumor na sua totalidade deve ser enviado para exame histopatológico. Alguns estudos são

direcionados para obtenção dessas margens de maneira ideal, preconizando, de maneira geral, que 2 a 3 cm de margens em

todas as direções sejam removidos além do tumor. Nos casos de mastocitoma grau II, por exemplo, há comprovação de que

2 cm de margens são suficientes para a completa remoção da neoplasia. Essas margens, conforme a localização do tumor,

serão respeitadas com a ressecção de planos musculares adjacentes.

Nos casos em que a remoção não tiver sido feita de modo que as margens estejam livres, os próximos passos podem

incluir monitoramento, reintervenção, quimioterapia e/ou radioterapia.

Ao se planejar uma biopsia incisional ou excisional, alguns cuidados são importantes:

• Evitar a obtenção de fragmentos teciduais comprometidos por ulceração, reação inflamatória e necrose

• Realizar abordagem e exposição cirúrgica adequada para minimizar a manipulação do tumor, evitando assim a

fragmentação do tecido neoplásico e a semeadura de células neoplásicas em tecidos normais

• Conduzir de modo adequado a hemostasia e a assepsia

• Observar que a cicatriz e o trajeto de biopsia são considerados contaminados do ponto de vista oncológico, e por isso

devem ser incluídos durante a ressecção definitiva.

Cirurgia com intenção curativa

As cirurgias realizadas com propósito curativo têm como objetivo aumentar o tempo de sobrevida e mesmo a erradicação

do tumor ou sua cura. Assim, um aspecto importante é definir as margens cirúrgicas livres de células tumorais, o que será

ou não confirmado pelo exame histopatológico.

Figura 12.2 Imagens fotográficas de lesão em pele de cão e de fragmentos colhidos da mesma região por biopsia. A.

Punch (seta) para realização de biopsia incisional. B. Quatro fragmentos coletados por meio de punch.

Figura 12.3 Desenho esquemático de biopsia excisional. A. Excisão sem margem de segurança. B. Excisão ampla com

boa margem de segurança.

Além da topografia e das características histológicas de cada neoplasia, a barreira representada pelos tecidos normais

adjacentes à infiltração tumoral é parâmetro útil para se planejar a extensão da ressecção. Por exemplo, tecidos com pouca

vascularização e ricos em colágeno denso, como tendões, fáscias, ligamentos e cartilagem, são relativamente resistentes à

invasão tumoral em comparação com estruturas como tecidos adiposo, subcutâneo, parenquimatoso e muscular.

Outro fator que pode orientar a magnitude da excisão é a eficácia dos tratamentos adjuvantes, como radioterapia e

quimioterapia. A necessidade de obtenção de margens negativas (não contaminadas com células neoplásicas) e a ausência

de outras formas mais eficazes de tratamento, por vezes, impõem a indicação de cirurgias radicais, provocando geralmente

grandes perdas funcionais ou estéticas. Em muitos casos, a presença de estrutura vital nas proximidades da neoplasia

impede a excisão com margens adequadas, sendo necessárias terapias adjuvantes.

Considerando a importância de obter margens limpas na prevenção da recorrência neoplásica, a magnitude da excisão

não deve ser prejudicada em razão das dificuldades para o fechamento da ferida, ou por comprometer estruturas normais

adjacentes, principalmente se o prognóstico for bom após a ressecção completa. Como tentativa de devolver aos pacientes

qualidade de vida razoável após a cirurgia para tratamento do câncer, a modalidade cirúrgica reconstrutora surge como

alternativa nesses casos. Diversas técnicas são descritas, nos mais diferentes sítios de localização, com a finalidade de

evitar complicações inerentes à cicatrização por segunda intenção, além de promover melhor estética aos pacientes

submetidos a cirurgias radicais (Figura 12.4).

Quando do planejamento da extensão da área de ressecção, é importante considerar que, se a primeira excisão conferir

margens limpas, terá maior chance de erradicar o tumor. A exérese simples de um tumor, com a intenção de reintervenção

para obtenção de margens adequadas, é prejudicial por vári­os motivos:

• Há alteração na anatomia cirúrgica, dificultando os limites entre tecidos cicatriciais, neoplásicos e normais, não obstante

contrações teciduais nas adjacências em decorrência do fibrosamento cicatricial

• No segundo procedimento, tornam­se necessárias amplas ressecções

• Existe a possibilidade de disseminações locais e metastáticas.

Apesar de as pesquisas em Medicina Veterinária não determinarem modelos sobre a definição das margens cirúrgicas

para os vários tipos de tumor, a literatura descreve algumas orientações no intuito de eliminar chances de recorrências.

Considerando a necessidade de obtenção de bordas limpas para a prevenção de recidivas, há consenso de que os tumores

com alta probabilidade de recorrência local, como sarcomas de tecidos moles, mastocitomas de alto grau e

adenocarcinomas mamários (em gatas), requerem ressecção com margens entre 2 e 3 cm, em todas as direções. Algumas

neoplasias, como os mastocitomas, requerem excisão com grandes margens por produzirem as skip metástases, que, em

geral, podem se desenvolver a uma distância de até 2 cm do tumor primário, daí a recomendação de manter­se a margem de

3 cm, no mínimo.

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