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(fator de correção da câmara).

A contagem celular deve ser incluída na fórmula:

Para controle na contagem, deve­se fazer um traço nas laterais das linhas de superfície dos quadrados e considerar

apenas as células que estiverem sobre essa marcação. Devem­se considerar apenas as células viáveis na contagem celular;

assim, utiliza­se o corante azul de Trypan, solução que não atravessa membranas íntegras, desconsiderando assim as

células que apresentarem coloração azul, pelo influxo de corante por meio da membrana danificada (Figura 10.7 B).

Congelamento e descongelamento celular

Células em cultura por longos períodos perdem suas características fenotípicas, pois após várias divisões há grande

probabilidade de ocorrerem alterações demasiadas em seu DNA. Assim, o processo de preservação celular por

congelamento auxilia na manutenção das características originais da célula, cessando as reações bioquímicas ali ativas.

As linhagens celulares primárias ou estabelecidas podem ser congeladas e mantidas por tempo indeterminado por meio

de processos gradativos de congelamento, com adição de meio de cultivo e soro, em proporções previamente estabelecidas,

e crioprotetores, como o glicerol ou dimetilsulfóxido (DMSO), que impedem a formação de cristais de gelo no interior da

célula no processo. As células são geralmente congeladas lentamente, em ampolas ou pequenos frascos resistentes,

denominados criotubos, que posteriormente são armazenados em botijões de nitrogênio líquido a –196°C, podendo ficar

estocadas por grandes períodos de tempo, até serem descongeladas e colocadas nas condições normais de cultura, quando

voltam a se dividir in vitro.

O descongelamento geralmente ocorre de forma rápida, levando o frasco que contém a solução celular diretamente a

37°C. Uma vez congeladas, as células sofrem danos, ainda que pequenos, em suas funções bioquímicas, fisiológicas e de

estrutura. Assim, após seu descongelamento, deve­se acrescentar solução de meio contendo 20% de soro, e, após 24 h de

aderência celular, deve­se realizar o procedimento de lavagem para retirada de células inviáveis em suspensão.

Figura 10.7 Representação da contagem do número de células em câmara de Neubauer. A. Células não viáveis coradas

com azul de Trypan (indicadas pelas setas). B. Câmara de Neubauer acoplada à lamínula. Imagens cedidas pelo

Laboratório de Investigação Molecular do Câncer (LIMC/FAMERP).

Aplicações da cultura celular

Nas últimas décadas, a cultura de células tem se desenvolvido amplamente, deixando de ser utilizada apenas em certas

áreas especializadas, tornando­se uma ferramenta de trabalho fundamental em diferentes campos de aplicação, tanto em

pesquisa como na indústria biotecnológica e no diagnóstico de determinadas doenças.

O estudo de células mantidas em cultivo permite abordagens transcricionais e traducionais, além da avaliação de

mudanças morfológicas e fenotípicas. Entre as diversas tecnologias aplicadas aos produtos celulares, incluem­se o método

de avaliação da viabilidade celular, por meio do ensaio MTT, cuja redução do sal tetrazólico, pela desidrogenase

mitocondrial de células viáveis, forma como produto o azul de Formazan, proporcional ao número de células viáveis;

estudos genômicos, por meio da quantificação gênica por reação em cadeia da polimerase (PCR) em tempo real, do

sequenciamento e das análises de bioinformática; a expressão proteica por imunocitoquímica (Figura 10.8), Western

blotting e ensaio imunoenzimático (ELISA); avaliação dos produtos formados por citometria de fluxo, métodos

bioquímicos, entre outros.

O desenvolvimento das técnicas de cultura celular tem possibilitado avanços nas pesquisas e na profilaxia de várias

doenças infecciosas, por meio do entendimento dos processos patológicos, assim como dos mecanismos de defesa do

organismo, dos sistemas de liberação e da ação de anticorpos, e pela produção de vacinas antivirais.

Na virologia, a cultura de células é muito utilizada para a obtenção viral. Como os vírus necessitam de hospedeiros, é na

cultura de células que é possível cultivá­los. A cultura de células permite o isolamento do vírus para avaliar o seu efeito em

determinados tipos celulares, além de verificar quais células são suscetíveis a determinados vírus.

Além de ser utilizado para o estudo dos vírus, o cultivo de células possibilita a investigação e a criação de modelos para

estudos da atividade, do metabolismo e de processos fisiológicos e bioquímicos de células normais e tumorais;

entendimento do fluxo intracelular como replicação, transcrição e síntese de proteínas; interações entre complexos

receptor/hormônios, resposta a estímulos externos durante a infecção ou a transformação por agentes virais, assim como

por agentes mutagênicos; interação célula­célula (morfologia, controle parácrino, cinética de proliferação celular,

cooperação metabólica, adesão e mortalidade celular) na diferenciação, adesão celular e compreensão da carcinogênese. O

cultivo de células também tem sido utilizado no estudo dos mecanismos de ação de fármacos variados sobre tipos

específicos de células, na análise da resposta imune, na sinalização celular, na produção de vacinas e anticorpos

monoclonais, entre muitas outras atividades.

No campo da medicina regenerativa, com a descoberta das células­tronco, abriram­se novas perspectivas para a utilização

do cultivo celular, sendo a produção de linhagens celulares específicas para transplantes uma das aplicações terapêuticas

mais promissoras. As células­tronco podem ser de origem embrionária (células­tronco embrionárias) ou de tecidos adultos

(células­tronco adultas). As células­tronco embrionárias têm alta capacidade de replicação e de diferenciação; no embrião,

todo o organismo complexo será formado a partir dessas células. As células­tronco adultas são células de proliferação

modulada, quiescentes, que se mobilizam para estabelecer a reposição de células que morreram ou que se ativam e

proliferam intensamente no momento necessário à regeneração de um tecido danificado, reparando tecidos doentes ou

injuriados, como células do músculo cardíaco, pancreáticas para a produção de insulina, hepáticas e neurais.

Figura 10.8 Imagens de células tumorais mamárias com marcação proteica pela técnica imunocitoquímica. A. Anti­VEGF,

marcador angiogênico. B. Anti­ROCK, marcador metastático. C. Anticaspase 3, marcador apoptótico. D. Anti­RE, marcador

hormonal estrógeno. E. Anti­RP, marcador hormonal progesterona. F. Anti­HER­2neu, marcador de proliferação celular.

Imagens cedidas pelo Laboratório de Investigação Molecular do Câncer (LIMC/FAMERP).

Outra área de atuação crescente da cultura de células envolve a sua aplicação no desenvolvimento de biomateriais a serem

utilizados para a produção de tecidos artificiais, permitindo avaliar o comportamento celular e a citotoxicidade dos

materiais in vitro, restringindo os testes pré­clínicos que utilizam animais.

Especialmente na clínica oncológica, a contribuição de vários estudos utilizando a cultura de células tem sido uma

ferramenta importante. Este modelo experimental tem permitido o estudo dos mecanismos moleculares envolvidos na

carcinogênese e a identificação de marcadores de diagnóstico e prognóstico, úteis na determinação da co nduta terapêutica.

Além disso, a cultura de células tem contribuído para o entendimento dos processos que causam perturbações nas

interações celulares, levando ao crescimento neoplásico, assim como da identificação de agentes carcinogênicos e nos testes

de novos fármacos que poderão ser utilizados no tratamento (Figura 10.9).

Cultura em formato tridimensional e cocultivo celular

Alexis Carrel notou que a região central das colônias celulares apresentava elevado índice de necrose, impedindo a

interação de células dessa região com o meio de cultura, relação diretamente associado à viabilidade celular e maior taxa de

proliferação. Assim, iniciou­se um cultivo celular, em formato de scaf olds biodegradáveis, que permitisse o rearranjo

espacial das células, aumentando a superfície celular, a fim de explorar a biologia celular e tumoral e avaliar o interior

celular em resposta à difusão de diferentes tratamentos.

Figura 10.9 Fluxograma das diferentes aplicações em estudos com cultivo celular.

A cultura celular tridimensional é o modelo que viabiliza a heterogeneidade e a fisiologia das células, pela formação de

esferoides multicelulares in vitro, mimetizando o microambiente celular, as interações célula­célula e a célula­matriz. Uma

vez que quase todos os tecidos são estruturas tridimensionais (3D) de vários tipos de célula e matriz extracelular (ECM)

integrada e a sinalização intercelular é importante para a manutenção das funções biológicas, vários fatores podem

influenciar pesquisas aplicadas à cultura celular.

Os esferoides formados apresentam exposição diferencial a fatores como nutrientes, oxigênio e gás carbônico,

permitindo a interação desses com o exterior e interior celular, e consequente melhor resposta a ensaios radiológicos e de

quimioterápicos. A cultura tridimensional visa a mimetizar a morfologia tecidual no câncer, uma vez que os esferoides

formados são fidedignos à estrutura celular do organismo vivo, permitindo o estudo das alterações celulares nos tecidos e a

compreensão do microambiente tumoral, bem como a regulação da comunicação/sinalização celular, resposta a fármacos e,

ainda, a avaliação da atividade metastática em células cancerosas, sendo portanto considerado o modelo tecidual in vitro

(Figura 10.10).

Vários substratos têm sido utilizados no cultivo celular tridimensional in vitro, como géis de colágeno tipo I, membrana

basal reconstituída (Matrigel

®

), laminina/entactina, alginato, hidrogéis ou macroscaf olds, formando assim uma superfície

gelatinosa, permitindo que as células explorem as três dimensões do espaço, aumentando as interações com o ambiente e

entre as células.

A tecnologia de imunofluorescência permite a análise dos esferoides celulares formados, a partir da marcação proteica

(Figura 10.11), em resposta à bioatividade de fármacos, que muito se assemelha às encontradas em alguns tumores sólidos.

A cocultura é outra aplicação da cultura celular que permite a associação de células com diferentes origens ou, ainda, de

células tumorais com componentes do microambiente e células do sistema imune. Esta técnica de cocultura tem sido

estabelecida com o propósito de compreender o “estudo da interação de células do sistema imune” e avaliar a “interação

mesênquima­estromal”.

A técnica de cocultura direta é constituída por duas camadas de dois tipos de células diferentes, uma em cima da outra,

em contato direto, podendo ser efetuada em quase todas as placas de cultura de células. Este contato direto entre uma célula

e outra desempenha um papel importante nos mecanismos de invasão do câncer por meio de ações de moléculas de adesão,

como a N­caderina.

Por sua vez, a cocultura indireta é realizada em insertos específicos com membranas de poliéster com 0,4 μm de

porosidade, separando as populações de células cocultivadas isoladas (Figura 10.12), mantendo comunicação bidirecional

entre as diferentes populações pelo meio de cultivo, reproduzindo de maneira confiável os resultados in vitro.

Figura 10.10 Esquema ilustrativo dos diferentes aspectos da cultura tridimensional e possibilidades de estudo com ênfase

na pesquisa em câncer. O2 = oxigênio; CO2 = gás carbônico.

Figura 10.11 Imagens de esferoides tumorais mamários cultivados em matrigel com marcação proteica pela técnica de

imunofluorescência com o anticorpo caspase clivada­3 (A) e marcação nuclear (B). Imagens sobrepostas (C). Imagens

cedidas pelo Laboratório de Investigação Molecular do Câncer (LIMC/FAMERP).

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Figura 10.12 Esquema de cocultivo entre duas populações de células distintas (amarelas e vermelhas) cultivadas em

inserto com membrana de porosidade de 0,4 μm de espessura para comunicação entre os dois lados do inserto.

Perspectivas futuras

O cultivo celular tem sido realizado há mais de um século, e as perspectivas de estudo nesse modelo são promissoras.

Apesar de este cultivo ser próximo do modelo real, não é possível reproduzir a interação entre as células e os outros

componentes que estão interagindo em um organismo, o que pode ser observado no modelo in vivo. No entanto diversas

técnicas têm sido empregadas para minimizar esses efeitos, buscando mimetizar os processos orgânicos. Além disso, a

compreensão da resposta celular in vitro, como por exemplo o teste de fármacos entre outros agentes, consegue reduzir a

utilização de animais de laboratório nestes estudos, o que torna o cultivo celular uma técnica imprescindível na atualidade,

permitindo que os modelos in vivo sejam utilizados apenas na validação dos resultados.

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Introdução

Com os avanços e as conquistas da Medicina Veterinária ao longo dos anos, obtiveram­se a melhora da saúde e maior

longevidade dos animais domésticos, e como consequência o aumento da incidência das doenças geriátricas. Contudo, a

proximidade das pequenas espécies, notadamente os cães e gatos, com o homem parece ter desencadeado maior ocorrência

de algumas dessas afecções, em especial as de origem oncológica.

Também não deve ser esquecido que o melhor treinamento do profissional, aliado às novas tecnologias em diagnóstico,

permitiu identificar com mais frequência e precocidade os casos de câncer nos animais domésticos.

Assim, o anestesiologista vê­se cada vez mais envolvido com cães e gatos portadores de neoplasias que, em grande

porcentagem, necessitarão de tratamento cirúrgico para solução do problema. Por sua vez, também têm se tornado comum

as anestesias em animais cujo câncer é doença simultânea àquela que necessita de correção cirúrgica, como os traumas em

pacientes oncológicos.

Embora na Medicina os assuntos afeitos à anestesia em pacientes com doença oncológica venham sendo discutidos há

algumas décadas, em Medicina Veterinária o problema não recebeu atenção até recentemente, quando os oncologistas

veterinários e os anestesiologistas iniciaram estudos com a finalidade de minimizar os riscos da anestesia em animais

acometidos por câncer. Entretanto, a expressiva variabilidade de origem, localização, morfologia e fisiopatologia das

neoplasias, associada às características de espécies, raças e às diferenças entre os indivíduos dificultam o estabelecimento

de protocolos bem definidos. Desse modo, não existem receitas prontas quanto ao emprego de técnicas e fármacos nos

animais portadores de neoplasias, sendo necessária a avaliação individual de cada caso.

Portanto, o objetivo, com este capítulo, é tentar esclarecer o profissional a respeito dos pontos mais relevantes, para a

escolha tanto dos agentes quanto dos métodos a serem empregados no procedimento anestésico, não esquecendo que cada

paciente é único e deve ser avaliado como tal.

Avaliação pré-anestésica

O animal está em tratamento quimioterápico? Esta é a primeira pergunta a ser respondida, já que é patente o fato de que os

produtos utilizados para a quimioterapia não somente inibem ou eliminam células tumorais, como agem da mesma maneira

sobre outras células em mitose rápida, interferindo de modo, por vezes, expressivo sobre vários órgãos e sistemas.

Portanto, é de fundamental importância a avaliação dos efeitos da quimioterapia em áreas em que não há neoplasia, uma

vez que a citotoxicidade induzida por esses fármacos pode influir na decisão da técnica anestésica adequada.

É comum e pertinente o anestesiologista preocupar­se com as características cardiovasculares do paciente. Nesse sentido,

a cardiotoxicidade induzida pela terapia química deve ser levada em conta, uma vez que a pouca capacidade de as células

cardíacas se regenerarem torna o coração suscetível a danos cuja solução é demorada e, por vezes, permanente. A

doxorrubicina é o exemplo clássico de fármaco cujos efeitos adversos sobre o miocárdio são bem conhecidos. A

cardiotoxicidade pode ser de tal monta, com seu emprego, que a doxorrubicina tem sido utilizada como agente indutor de

lesões cardíacas experimentais em uma variedade de espécies domésticas.

Os sintomas mais comuns de cardiotoxicidade advindos do uso do fármaco ou outros quimioterápicos, como os

alquilantes, incluem os próprios da insuficiência cardíaca, como efusão pleural, congestão pulmonar, taquicardia, figuras

eletrocardiográficas características e aumento da área cardíaca, entre outros. Havendo possibilidade, deve­se tratar da

melhor maneira possível o coração antes de se decidir pela anestesia. Nesse caso, o auxílio de um profissional

especializado em Cardiologia não deve ser dispensado.

A terapia química do câncer determina em graus variados imunossupressão, a qual predispõe os pacientes a doenças

respiratórias, sobretudo a pneumonia bacteriana. Portanto, não é possível desconsiderar este fator durante a avaliação préanestésica. Nos pacientes tratados com debleomicina, é comum encontrar efusão pleural, fibrose pulmonar e pneumonia

intersticial inflamatória. Também nesses casos, o tratamento prévio à anestesia é de fundamental importância, visto que a

maioria dos animais que receberá tratamento cirúrgico da neoplasia será submetida à anestesia inalatória.

Relativamente à toxicidade gastrintestinal, a preocupação do anestesiologista diz respeito à possível inflamação

orofaríngea com consequente dificuldade de intubação orotraqueal, desidratação, a qual exigirá reposição hídrica que deve

ser feita com cuidado em virtude da possibilidade de o quimioterápico ter determinado a insuficiência cardíaca, edema

pulmonar ou ambos, quando poderá ocorrer edema de ordem incoercível no pulmão. Desse modo, deve haver critério e

avaliação cuidadosa, podendo o profissional optar pelo início da hidratação em seguida à indução anestésica, ocasião em

que poderá iniciar a mensuração da pressão venosa central. Também deve ser levada em conta a perda de eletrólitos pelo

vômito, comum em pacientes em tratamento por quimioterapia. O uso de agentes antieméticos provavelmente foi iniciado

por profissional responsável pelo tratamento quimioterápico, e o histórico clínico deve ser bem observado pelo

anestesiologista, uma vez que a emese pode ainda estar ocorrendo. Não deve ser esquecido que, no período de recuperação,

o ato de vomitar pode induzir a inspiração do conteúdo gástrico para os pulmões, com consequências graves no paciente já

extubado. Segundo Fernandes et al.,

1 é importante lembrar que alguns antieméticos interferem de maneira importante sobre

os efeitos de fármacos utilizados nos procedimentos anestésicos. Nesse sentido chama a atenção o fato de que a

ondansetrona reduz o potencial analgésico do tramadol.

O manejo do paciente com doença oncológica deve incluir a avaliação da função renal, pois a quimioterapia não

raramente produz nefrotoxicidade. Complementarmente, a localização da neoplasia pode comprometer o rim, pela

compressão direta do órgão ou por invasibilidade do tecido renal. Para o anestesiologista, a importância desses fatores está

no fato de que a eliminação de produtos advindos da metabolização dos agentes usados em anestesia, alguns deles ativos,

pode estar prejudicada, o que interferiria na escolha dos fármacos, devendo­se abrir mão daqueles que reduzem o fluxo

plasmático renal e liberam hormônio antidiurético (ADH) ou vasopressina, como o tiopental. Assim, também a presença da

nefrotoxicidade quimioterápica impedirá o uso de anestésicos dissociativos, os quais são eliminados pelos rins em sua

forma íntegra, ou seja, sem biotransformação.

Também não se pode abdicar da avaliação criteriosa da função hepática, pois a hepatoxicidade causada pelo tratamento

quimioterápico, a existência de neoplasias no fígado ou ambos normalmente desencadeiam elevação dos níveis séricos de

bilirrubina, transaminase e fosfatase alcalina, ocasionando hipoalbuminemia. A redução dos níveis de albumina deve ser

vista com cuidado pelo anestesiologista, uma vez que é conhecido o fato de os anestésicos intravenosos se ligarem às

proteínas na corrente sanguínea. Com a menor quantidade de albumina no sangue, maior será a quantidade de anestésico

livre disponível para exercer seus efeitos no sistema nervoso central (SNC); logo, uma dose calculada com base apenas no

peso do indivíduo e administrada em sua totalidade pode ser excessiva para o paciente. Portanto, nos animais que

apresentarem hipoalbuminemia, a anestesia geral intravenosa deverá ser feita respeitando­se a avaliação dos sinais clínicos

pelo esquema clássico de Guedel ou pelo índice biespectral, administrando­se o fármaco lentamente até que o paciente

apresente a profundidade anestésica adequada.

Acredita­se que as lesões por toxicidade ou próprias da neoplasia dificultem a recuperação da consciência, já que o

fígado apresenta­se inapto ou com dificuldade para metabolizar os fármacos utilizados no procedimento anestésico. Na

verdade, na maioria dos casos, o paciente recupera a consciência porque estes agentes são redistribuídos e não

biotransformados. Quando se opta pela anestesia inalatória, evidentemente os anestésicos são eliminados em sua maior

porcentagem pela via pulmonar e a porção metabolizada por via hepática é mínima; já com o uso de anestesia total

intravenosa, a opção por agentes com pouco ou nenhum efeito cumulativo deve ser feita. Neste caso, o propofol parece

mais adequado, em vez do tiopental ou etomidato, como será esclarecido adiante.

A toxicidade sanguínea originada na aplicação da quimioterapia resulta em redução significativa de leucócitos, hemácias

e plaquetas. Assim, podem estar prejudicados a resposta imunológica, o transporte de oxigênio e a coagulação. Embora

esta última mereça mais preocupação por parte do cirurgião, o anestesista não pode abdicar da avaliação criteriosa dos

demais. A resposta imunológica é relevante na medida em que complicações respiratórias advindas de infecções

pulmonares oportunistas podem inviabilizar a anestesia inalatória e dificultar a hematose tanto na anestesia volátil como na

intravenosa. Por sua vez, o risco de infecção exigirá cuidados na aplicação das técnicas de anestesia regional, sobretudo as

espinais.

A diminuição do número de hemácias dificultará o transporte de oxigênio (O2), com consequente redução da

disponibilidade do gás para os tecidos. É interessante comentar o papel da oximetria de pulso para a avaliação dos

pacientes acometidos pela anemia. Os equipamentos atuais são de boa confiabilidade, porém os valores lidos referem­se às

porcentagens. Portanto, se o animal tiver um reduzido número de células vermelhas na corrente sanguínea e toda a oxihemoglobina nessas células estiver saturada, o equipamento apresentará uma leitura de 100%, mas na verdade a

disponibilidade de oxigênio para os tecidos estará prejudicada. Nesses casos, a hemogasometria arterial é fundamental e

pode­se abdicar da avaliação não invasiva dos valores de saturação da oxi­hemoglobina (SpO2) em favor da pressão parcial

de oxigênio no sangue arterial (PaO2).

No paciente não submetido à quimioterapia, o que é raro ultimamente, devem ser considerados todos os preceitos já

aceitos para a avaliação pré­anestésica, acrescidos daqueles próprios dos animais portadores de neoplasias. Nesse sentido,

durante a avaliação cardiovascular, respiratória, sanguínea, renal e hepática deve­se considerar a possível interferência da

doença oncológica.

Já em 1989, Miller

2 alertava que os carcinomas primários, especialmente no intestino, secretam histamina,

prostaglandinas, cininas e serotonina, sendo todas essas substâncias vasoativas. Nos pacientes com essa doença oncológica,

devem ser evitados procedimentos que possam liberar catecolaminas, as quais determinam a secreção desses produtos

vasoativos. Desse modo, cabe ao anestesiologista optar por técnicas que não propiciem a liberação de histamina, como o

uso da morfina, por exemplo, e não é recomendável optar por planos anestésicos superficiais demais ou analgesia que

provoque uma resposta simpática, com consequente descarga endógena de catecolamina, cuja consequência poderia levar a

complicações de origem cardiovascular graves.

A atenção do profissional da anestesiologia deve estar voltada também para outros aspectos relativos às manifestações

fisiopatológicas do câncer, como febre, anorexia, perda de peso, anemia, trombocitopenia, coagulopatias, síndrome da lise

tumoral, tamponamento pericárdico, entre outros, todos com reflexos de suma importância na escolha da técnica anestésica.

Outros distúrbios são os originários das síndromes paraneoplásicas, manifestações da doença neoplásica em locais

diferentes do qual se situa a neoplasia. Em sua maioria, caracterizam­se pela produção de hormônios, os quais determinam

efeitos clínicos de relevância, como a disfunção renal, doenças autoimunes e alterações nos níveis de cálcio, com

consequências sobre o coração. O médico­veterinário responsável pela anestesia deve estar atento para sua possível

ocorrência.

Finalmente, e em face do exposto, cabe ao anestesiologista avaliar com a devida profundidade cada paciente e não se

abster de consultar um especialista de cada área, caso existam dúvidas quanto aos achados clínicos.

Medicação pré-anestésica

Os agentes fenotiazínicos determinam hipotensão e têm efeito antiadrenérgico, por isso poderiam ser contraindicados em

pacientes com comprometimento simpático ou distúrbio vascular importante. Contudo, já foram descritos tanto o potencial

antiarritmogênico quanto o anti­histamínico das fenotiazinas. Desde que o paciente possa suportar redução da pressão

arterial, a clorpromazina, a acepromazina, a levomepromazina e a prometazina podem ser utilizadas, com cautela.

A levomepromazina, fenotiazínico da série mista, tem marcante efeito antiarritmogênico. Seu emprego propiciaria

medicação pré­anestésica (MPA) segura em pacientes cuja doença oncológica ou síndrome paraneoplásica tenham

determinado arritmia, notadamente as ventriculares, visto que o câncer por si só produz um ambiente pró­arritmogênico.

Complementarmente, já em 1988, Massone informava que a levomepromazina inativa 3.000 doses fatais de histamina em

ratos, o que a torna agente de eleição para a MPA quando a maior preocupação é a liberação histamínica, como ocorre no

mastocitoma. Infelizmente, seu emprego tem sido cada vez menos frequente, graças à dificuldade de se adquirir o fármaco

no mercado.

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Uma das características da clorpromazina é seu relevante efeito antiemético. Seu uso é indicado nos pacientes cuja

quimioterapia tenha produzido toxicidade gastrintestinal, pois, mesmo que a cirurgia tenha caráter emergencial e haja

conteúdo gástrico, este não será expelido do estômago. Minimiza­se, portanto, o risco de aspiração de vômito para os

pulmões. Entretanto, a exemplo da levomepromazina, com seu emprego, a redução da pressão arterial deve ser considerada

quando optar­se pela clorpromazina na medicação pré­anestésica.

A acepromazina não produz efeito antiarritmogênico ou anti­histamínico importante e não tem o potencial antiemético da

clorpromazina, mas os efeitos clínicos de seu uso são mais evidentes, deixando o animal mais prostrado, evidenciando uma

sedação mais expressiva. Sua indicação é mais restrita, portanto seu emprego é indicado a pacientes agressivos.

Sabidamente, a prometazina tem o maior potencial anti­histamínico entre os fenotiazínicos, acompanhada do menor

efeito sobre a pressão arterial, e, apesar de sua ação tranquilizante discreta em cães e gatos, ganha um lugar de destaque

quando o paciente é acometido pelo mastocitoma, neoplasia conhecida pela liberação de histamina. Complementarmente, é

válido lembrar que, muitas vezes, animais com doença oncológica ficam debilitados, portanto não é necessário o uso de

fármacos que produzam contenção química mais potente.

As butirofenonas têm características semelhantes às dos fenotiazínicos, e seu uso é cada vez menos frequente, sendo

principalmente indicado para a neuroleptoanalgesia, o que, em tese, seria bastante útil nos pacientes cuja neoplasia

determine dor.

Os benzodiazepínicos, como o diazepam e o midazolam, são fármacos ansiolíticos. Em cães e gatos, seu emprego não

gera sedação expressiva; entretanto, os efeitos farmacodinâmicos são mais discretos que os observados com o uso dos

fenotiazínicos e das butirofenonas. Embora sua administração isoladamente seja rara e afeita com mais frequência aos

quadros convulsivos, são muito úteis quando associados aos fenotiazínicos ou opioides, na MPA; ou aos anestésicos

dissociativos, para indução ou manutenção da anestesia. Portanto, em pacientes com doença oncológica, seu uso pode ser

indicado nos casos em que a pressão arterial não permita o emprego de fenotiazínico, e o estado clínico é preocupante. Sua

associação aos opioides, como já dito, permite a redução tanto da ansiedade quanto da dor, facilitando a manipulação do

paciente e evitando estímulos simpáticos indesejados, com consequente liberação excessiva de catecolaminas, o que traria

consequências graves, especialmente quando a quimioterapia estiver causando prejuízos para a função cardíaca.

Quanto ao emprego de opioides, deve­se estar atento sobretudo aos agonistas de receptores mu, os quais produzem

excelente analgesia, mas também levam ao risco de liberação de histamina, notadamente a morfina. Preferencialmente, na

neuroleptoanalgesia, deve­se optar pelo emprego de fármacos isentos com esta característica, sendo o butorfanol uma boa

opção, dado que, além da ação antiálgica, proporciona sedação adequada.

Anestesia local

É, sem sombra de dúvidas, o procedimento de menor risco em relação ao câncer. Utilizando­se as técnicas clássicas, com a

administração de lidocaína ou bupivacaína com ou sem vasoconstritor, obtém­se anestesia adequada para a realização de

pequenos procedimentos de baixa invasibilidade. Entretanto, a anestesia local não se mostra adequada quando a área a ser

dessensibilizada é grande em relação ao porte do animal e não pode ser conduzida em pacientes pouco cooperativos sem

uma efetiva sedação. Complementarmente, o uso de anestésicos locais não produz efeito em região cujo pH dista do

normal, ou seja, mesmo que o anestesista se disponha a auxiliar na retirada de uma pequena neoplasia cutânea, o bloqueio

não terá sucesso caso a área de deposição do fármaco apresente inflamação ou infecção. Nesses casos, sempre que

possível, é adequado que se proceda à anestesia regional.

Anestesia regional

De acordo com a I Diretriz Brasileira de Cardio­Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia, a anestesia regional

está relacionada com menor recorrência de câncer em humanos, pois este método atenua a resposta endócrina e metabólica,

que ocorre em decorrência do ato cirúrgico, ocasionando, portanto, menor imunossupressão no período pós­operatório.

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