11

, em um estudo de caso­controle realizado entre março e agosto de 2010, avaliaram os fatores de risco

ambientais de ocorrência de linfomas em cães em São Paulo. Os proprietários de 83 casos de linfoma não Hodgkin e 83

controles foram convidados a preencher um questionário sobre características demográficas do paciente, estilo de vida e

exposição a substâncias diferentes. A análise de regressão múltipla demonstrou maior chance (odds ratio 3,1; 95%; IC 1,4

a 6,9) de desenvolvimento de LNH em animais relacionada com os animais de médio e grande porte, com peso acima de

10 kg (odds ratio de 3,8; 95%; IC 1,8 a 8), e ao viverem em residências com uma proximidade de até 100 metros de ruas

movimentadas ou avenidas (fluxo de mais de 50 veículos por minuto). Os resultados sugerem a influência do tráfego no

desenvolvimento canino LNH assim como têm sido evidenciados em seres humanos.

A análise espacial de linfomas caninos e humanos realizada por Kimura et al.

12 corrobora a evidência de associação da

poluição do ar no desenvolvimento de LNH em ambas as espécies. O estudo envolveu a distribuição de 579 casos caninos

de cinco regiões diferentes da cidade de São Paulo (centro, norte, sul, oeste e leste), diagnosticados pela citologia ou

histopatologia entre 1996 e 2006, e 630 casos de LNH em seres humanos, selecionados aleatoriamente a partir do Registro

de Câncer de Base Populacional de São Paulo (RCBP­SP) no mesmo período. O índice global e local de Moran foram

calculados, e mapas de densidade de Kernel e análises regressivas espaciais foram feitas. A interpolação dos casos entre

humanos e cães mostrou uma elevada concentração da doença na área central da cidade, região onde há maior tráfego e

maiores níveis de poluição, bem como elevados índices de renda e alfabetização. Os resultados indicam uma clara

evidência de que ambas as espécies compartilham um fator de risco comum influenciado pelo espaço.

A forte interação homem­animal e o uso desses animais como sentinelas selam um importante elo entre a pesquisa do

câncer e os fatores de risco que o cercam, assim como podem auxiliar na proposição de medidas preventivas.

Prevenção do câncer e fatores de risco

De acordo com a OMS, a prevenção do câncer pode ser classificada como primária, secundária e terciária. A prevenção

primária compreende as atividades de educação populacional e profissional, além da divulgação de informações sobre o

câncer. Um exemplo é a orientação de que um agente etiológico das doenças malignas pode ser evitado. A campanha contra

o tabagismo é uma medida preventiva para o controle do câncer.

A prevenção secundária é voltada para a realização do diagnóstico precoce, embora não se conheça a etiologia. O

exemplo é a colpocitologia oncótica para o diagnóstico do câncer de colo uterino.

Na prevenção terciária, os objetivos estão voltados para a terapêutica e a reabilitação, compreendendo a fase hospitalar

da doença.

Em Medicina Veterinária, os programas de prevenção do câncer podem se fundamentar nessa classificação proposta pela

OMS. Para isso, faz­se necessário estabelecer e implantar rigorosos controles e levantamentos estatísticos, divulgando­se

as evidências epidemiológicas da etiologia do câncer e os fatores de risco e de proteção no seu desenvolvimento.

Antes de estabelecer as medidas de prevenção, é preciso avaliar, além dos fatores genéticos, se os fatores de risco estão

associados ao aumento de determinada neoplasia. O fator de risco compreende a probabilidade de um indivíduo saudável

exposto a um agente adquirir a doença em determinada circunstância. É consenso na literatura médica que o risco de câncer

está mais associado às exposições ambientais do que aos fatores genéticos. Assim, a prevenção de vários tipos de

neoplasias malignas é possível, pois poucos tumores são de origem genética. Com essas afirmativas, entende­se que a

preocupação maior nos programas de prevenção do câncer esteja voltada à orientação da população no sentido de evitar

exposições desnecessárias aos fatores de risco. Cada fator de risco contém um ou mais carcinógenos, e entre os principais

citam­se dieta, tabaco, luz solar, álcool, agentes químicos, infecções virais e outros.

Em razão do estreito convívio entre o ser humano e os animais de companhia, além de se prevenir o câncer com base no

conhecimento da história natural das neoplasias, deve­se estimular hábitos saudáveis de estilo de vida, promovendo­se,

dessa forma, a saúde inclusive para os animais. Nos programas de promoção da saúde para o ser humano, incluem­se

atividades como controle da poluição e do tabagismo, melhoria das condições de saneamento e moradia e controle de

fatores como a nutrição e a higiene.

Outro campo emergente de investigação epidemiológica é o da quimioprevenção. O objetivo é tentar deter a

carcinogênese utilizando­se substâncias químicas naturais ou sintéticas. Apesar de os agentes de quimioprevenção serem

mais empregados no ser humano, terão grande valia na Oncologia Veterinária à medida que se definirem a etiologia e os

fatores de risco e de prevenção para as neoplasias em animais.

Os principais agentes de quimioprevenção do câncer no ser humano compreendem:

• Substâncias que reduzem a síntese endógena de carcinógenos (ácido ascórbico, alfatocoferol). Compostos que alteram o

metabolismo de carcinógenos na formação de radicais livres (retinoides, carotenoides etc.)

• Substâncias que inibem a ligação de agentes carcinogênicos com o ácido desoxirribonucleico (DNA, deoxyribonucleic

acid) (flavonoides)

• Compostos que reduzem a absorção de carcinógenos (fibras)

• Elementos químicos que inibem a proliferação celular (hormônios)

• Substâncias com ações desconhecidas, como as encontradas no chá­verde e em cebolas.

Além das medidas de prevenção primária dos programas de promoção da saúde e da quimioprevenção do câncer no ser

humano, que visam a minimizar a exposição aos fatores de riscos conhecidos, o rastreamento faz parte do controle das

doenças malignas.

O rastreamento, ou a prevenção secundária, se faz por meio da aplicação de testes diagnósticos de baixo custo, simples e

sensíveis em pessoas de alto risco, mas assintomáticos, com o objetivo de se detectarem lesões pré­cancerosas ou tumores

em fases iniciais.

O rastreamento em pessoas assintomáticas se faz por check­up oncológico e programas específicos para cânceres de

mama, cólon e reto, próstata, colo uterino e de endométrio. É importante considerar que os pacientes com cânceres como o

de pele, mama, colo uterino, boca, laringe, estômago, cólon e reto, quando diagnosticados precocemente, apresentam um

melhor prognóstico. De fundamental importância no rastreamento do câncer no ser humano é a divulgação para a

população de informações sobre os sintomas iniciais da doença. Uma vez detectados sinais como presença de nódulos,

sangramentos, ferimentos que não cicatrizam, tosse e transtornos digestórios, os pacientes devem procurar a assistência

médica imediatamente.

Na área médica, continuamente têm­se desenvolvido novas tendências que permitem detectar e tratar o câncer. Nas

últimas 3 décadas, houve inovação com ultrassonografia, tomografia computadorizada, ressonância nuclear magnética,

medicina nuclear, endoscópios flexíveis, inúmeros fármacos novos, técnicas de transplantes e diálise. Gradativamente, essa

tecnologia também poderá fazer parte da rotina em clínicas e hospitais veterinários, instituindo­se assim, com base na

Oncologia Médica, programas de prevenção primária, secundária e terciária para o controle de câncer nos animais de

companhia.

Perspectivas para o controle populacional do câncer em animais

Tendo em vista que os avanços referentes à prevenção, ao diagnóstico e ao tratamento culminaram na maior longevidade de

cães e gatos e que a maioria dos tumores ocorre em pacientes geriátricos, entende­se o aumento na incidência das afecções

neoplásicas nessas espécies. Sendo o câncer, atualmente, uma das principais causas de morte tanto em seres humanos

quanto em animais domésticos, as pesquisas nessa área se intensificaram no sentido de estabelecer a patogenia, a

prevenção, o diagnóstico e o tratamento das doenças malignas que mais acometem os cães e os gatos.

Sabe­se que os fatores ambientais e genéticos têm efeitos na carcinogênese. Esses fatos impulsionam e motivam a

realização de um elevado número de pesquisas, com a finalidade de avaliar a influência desses agentes nas alterações

celulares e moleculares do câncer em cães. Assim, alguns estudos genéticos e no campo da Biologia estão em

desenvolvimento, entre eles, os mais citados:

• Investigar a maior predisposição de câncer em determinadas raças como Golden Retriever, Rottweiler e Bernese

Mountain Dog, assim como a incidência relativamente menor de doenças malignas em Beagle, Poodle, Collie e

Dachshund. Identificar os genes que após a mutação são associados ao aumento de neoplasias como linfoma e

mastocitoma nos cães da raça Boxer

• Pesquisar anormalidades nos genes e cromossomos ligadas aos osteossarcomas em cães de raças grandes, entre elas o

Rottweiler

• Definir o caráter hereditário ou não das alterações gênicas e cromossômicas, o que permitirá prever as respostas diante

das terapias convencionais, assim como o prognóstico

• Definir os marcadores específicos dos genes relacionados com o risco de câncer. A seleção dos progenitores poderá

reduzir a incidência das doenças malignas em cães.

Tendo em vista que os dados epidemiológicos têm sido fundamentais para o conhecimento de várias enfermidades,

incluindo o câncer, embora os registros sobre doenças malignas sejam escassos, alguns relatos disponibilizam informações

importantes sobre a magnitude da doença em determinadas raças de cães e gatos.

Os estudos sobre os tipos específicos de câncer possibilitam a associação das suas ocorrências com sexo, faixa etária,

padrão alimentar e fatores genéticos e ambientais, fornecendo parâmetros importantes para o direcionamento das linhas de

pesquisa. No Brasil, existe uma carência de registros e dados epidemiológicos sobre a incidência de câncer em cães e

gatos, o que torna premente o rastreamento das neoplasias nessas espécies. O cadastramento dos pacientes com câncer,

além de fornecer um perfil epidemiológico das doenças malignas em cães e gatos, permite planejar e adotar medidas

preventivas e terapêuticas.

Alguns dados estatísticos descritos na literatura médica alertam para a importância dos fatores ambientais na

carcinogênese. Os epidemiologistas afirmam que o aumento na casuística do câncer decorre, sobretudo, do fato de a

população geral estar mais propensa ao acometimento pelo câncer, em consequência do envelhecimento e de maior

exposição aos agentes oncogênicos. Assim, feitos os ajustes estatísticos de acordo com a idade, constatou­se que o câncer

de pulmão foi o que apresentou maior elevação na incidência (aumentou dez vezes desde 1930), e mais de 90% dos casos

estão associados ao tabagismo. Considerando que os estudos estatísticos demonstram aumentos no hábito de fumar,

conclui­se que os fatores ambientais representam os carcinógenos mais importantes pelo incremento na casuística de

câncer.

De acordo com alguns pesquisadores na área de Oncologia Veterinária, especula­se que 80% dos cânceres em cães e

gatos são de influência ambiental. Um exemplo é o elevado número de cães e gatos que convivem com fumantes

acometidos por doenças malignas. Citou­se também o aumento da incidência de linfomas em cães e gatos que mantêm

contato com gramas e jardins contaminados com herbicidas, sendo o risco similar às carcinogêneses ocupacionais dos

agricultores.

Mesmo que não sejam conhecidos exatamente os dados estatísticos sobre a epidemiologia do câncer em cães e gatos,

sabe­se que atualmente as afecções malignas constituem causa significativa de óbito e eutanásia em animais de companhia.

Estima­se que de 16 a 24% das mortes em cães e gatos sejam atribuídas ao câncer. Apesar da etiologia multifatorial das

doenças malignas, estima­se que, no ser humano, 50% de todas as causas de câncer sejam teoricamente evitáveis, o que

torna evidente a necessidade de prevenção das afecções neoplásicas. O controle do câncer com fundamento na prevenção

requer o conhecimento da correlação com os fatores etiológicos, por meio de estudos epidemiológicos.

Etiologia do câncer

A carcinogênese é um processo que ocorre em múltiplas etapas, em que as células, gradativamente, vão adquirindo as

características de malignidade por meio de uma série de alterações genéticas progressivas e cumulativas (Quadro 1.3).

Os estudos demonstram que as neoplasias têm origem em uma única célula, de praticamente quaisquer tecidos do

organismo, resultando em múltiplas mutações no DNA. O acúmulo de anormalidade no DNA pode ocorrer tanto nos genes

fundamentais, como naqueles envolvidos no controle do ciclo celular, na apoptose e no reparo do DNA. Essas mutações

podem causar crescimento celular desordenado e determinar o aparecimento de células com capacidade de gerar metástases

(Figura 1.6).

Quadro 1.3 Múltiplos estádios da carcinogênese.

Lesãode DNA inicial (pelaaçãodos carcinógenos):

Radiação,produtosquímicos,víruseoutros

Quebraserearranjos cromossômicos, replicaçãogênica

Seleçãodecélulas mutantes – clonalidade:

Falha nocontroledocrescimentoe/oudiferenciaçãocelular

Perdadaestabilidadecromossômica

Mudança noperꚦ횅ldeexpressãogênica

Reativaçãodeproto-oncogenes

Inativaçãodegenes supressoresdetumor

As causas primárias do câncer ainda não estão totalmente esclarecidas, mas as neoplasias surgem em decorrência de

mutações genéticas espontâneas ou induzidas por agentes patogênicos. Atualmente, reconhece­se um grande número de

agentes carcinogênicos, como metais, radiações, vírus, radicais livres de oxigênio, inflamações crônicas e xenobióticos

(como tabaco, álcool e pesticidas), entre outros que promovem alterações no ciclo celular, provocando excesso na taxa de

proliferação e deficiência nas taxas de morte celular.

O câncer tem como causa fatores denominados micro ou macroambientais, também identificados como intrínsecos e

extrínsecos.

Os agentes extrínsecos compreendem as radiações ionizantes e ultravioleta e os carcinógenos químicos e biológicos

(vírus, bactérias e parasitas).

As influências intrínsecas (endógenas ou microambientais) são representadas por fatores como idade, tipo de dieta,

efeitos hormonais e predisposição genética.

Os fatores genéticos endógenos estão relacionados com a patogênese do câncer; por exemplo, a maior predisposição da

raça Boxer para o desenvolvimento de neoplasias.

É importante considerar que a carcinogênese é multifatorial e, ainda, que eventos extrínsecos podem influenciar os

intrínsecos, determinando o aparecimento do câncer. Pode ocorrer sobreposição de influências na gênese de neoplasias.

Alguns pesquisadores classificam as causas das neoplasias em conhecidas e prováveis, conforme a Tabela 1.8.

Embora cada categoria seja abordada em separado, os agentes etiológicos podem interagir, inclusive produzindo efeitos

sinérgicos.

De acordo com dados estatísticos, hoje o câncer é a principal causa de morte em cães e gatos, e os pacientes idosos, em

geral, são os mais acometidos. Entende­se que quanto mais o animal vive, maior a exposição do organismo aos agentes

carcinógenos do meio ambiente (ou macroambientais), ou à combinação com os fatores intrínsecos (ou microambientais).

Assim, aumenta­se a probabilidade de o organismo acumular alterações moleculares responsáveis pela multiplicação

celular desordenada.

Figura 1.6 Carcinogênese por alterações nos proto­oncogenes e genes supressores de tumor. A carcinogênese decorre de

mutações acumuladas no genoma. Por meio de processos endógenos e/ou exposição aos vários agentes oncogênicos

ambientais, os proto­oncogenes e os genes supressores de tumor sofrem alterações que resultam em desequilíbrio nos

mecanismos homeostáticos de proliferação e diferenciação celular e de apoptose.

Muitos modelos foram propostos para explicar os mecanismos de carcinogênese, sendo o da

iniciação/promoção/progressão um dos mais aceitos (Figura 1.7).

Na iniciação, primeira fase do processo de carcinogênese de múltiplas etapas, uma única célula em tecido, aparentemente

normal, sofre alterações genotípicas irreversivelmente por meio da ação de agentes cancerígenos, químicos, físicos ou

biológicos. Essas mudanças podem comprometer os mecanismos reguladores do crescimento e diferenciação celular, ou

seja, os proto­oncogenes, os genes supressores e a apoptose.

Apesar de o carcinógeno interagir com o DNA, promovendo uma mutação permanente, nem todas as células iniciadas

originam um tumor, pois muitas entram no processo de apoptose.

Tabela 1.8 Agentes etiológicos das neoplasias.

Agentesconhecidos Agentes prováveis

Seresanimados: Hereditariedade

Vírus Hormônios

Helmintos Radiaçãocalórica

Células neoplásicas transplantadas Traumatismos

Seres inanimados: Nutrição

De naturezafísica:

Radiaçãoultravioleta

Radiaçãoionizante

Radiaçãoatômica

De naturezaquímica

Figura 1.7 Mecanismos de carcinogênese por meio de iniciação (irreversível), promoção (reversível) e progressão

(irreversível) celular.

Na segunda fase, a promoção, a célula geneticamente iniciada passa a se multiplicar com o estímulo dos agentes

promotores, expressando alterações fenotípicas em suas células­filhas, e essas passam a ter autonomia, formando um

clone. Essa etapa pode ser interrompida caso o estímulo seja cessado.

Prosseguindo na carcinogênese, ocorre a fase denominada progressão, na qual surgem clones com potencial de invasão

tecidual e formação de metástase. O estado de iniciação é um fenômeno celular, a promoção é tissular e a progressão

constitui­se em evento sistêmico e irreversível.

Muitos carcinógenos são completos, ou seja, induzem rapidamente a gênese do tumor, mesmo na ausência de agentes

promotores. Os agentes promotores têm estruturas químicas diferentes, e não há um mecanismo uniforme para explicar a

atividade desses fatores oncogênicos. Podem agir de modo específico, mas em geral determinam aumento da divisão e

inibição de apoptose, e sua ação pode ser reversível.

De acordo com a literatura, 80% das neoplasias malignas têm origem em estímulos ambientais, em decorrência da

exposição a carcinógenos químicos e físicos, ou a vírus causadores de câncer. Apesar da etiologia multifatorial, a busca

pelo esclarecimento das causas do câncer deve ser incessante, pois inúmeras neoplasias podem ser prevenidas, uma vez

que são induzidas por fatores exógenos.

Carcinogênese endógena

Um grande número de tumores se desenvolve em animais que não sofreram exposição anterior aos agentes cancerígenos, e

a causa dessas neoplasias parece ser a mutação espontânea, a qual pode ocorrer em consequência da ação do próprio

metabolismo celular, e, em geral, acontecem com uma frequência característica para cada organismo. As mutações

espontâneas podem ser causadas por processos como depurinações (104 eventos/célula/dia), desaminações de citidina e

uridina (20/célula/dia) e danos oxidativos do DNA provocados por radicais livres, oriundos da cadeia de transporte de

elétrons, bem como erros introduzidos na replicação pela DNA polimerase (Figura 1.8).

Quando essa frequência característica é alterada por agentes químicos ou físicos, as mutações são identificadas como

induzidas e esses agentes são denominados mutagênicos. A eficiência de ação dos agentes mutagênicos depende de sua

capacidade de aumentar a taxa de mutação espontânea de um organismo. A média de mutações espontâneas por par de

bases por célula situa­se entre 10­8 a 10­9 e essas frequências aumentam de 10 a 1.000 vezes após a exposição aos agentes

mutagênicos.

As mutações espontâneas podem ser controladas por mecanismos eficazes como eliminação das mudanças de base por

meio de um eficiente sistema de reparo; as mutações podem ser silenciosas, isto é, não produzir proteínas alteradas, uma

vez que 97% do DNA é não codificante; nem todas as mutações originam células cancerosas, pois para isso devem ocorrer

em oncogenes e genes supressores de tumor. É importante saber que células mutadas, passíveis de ser reconhecidas pelo

sistema imunológico, podem ser eliminadas por este.

Figura 1.8 Mutações espontâneas desencadeadas por processos de depurinações, desaminações, lesões oxidativas do

ácido desoxirribonucleico (DNA) provocados por radicais livres e erros introduzidos na replicação pela DNA polimerase.

Adaptada de Brentani, 2003.

13

Carcinogênese química

Na carcinogênese química, a indução da neoplasia também ocorre em estádios, sendo basicamente a etapa da iniciação e

promoção. A iniciação é irreversível, e nessa etapa o carcinógeno químico interage com o DNA produzindo uma mutação

permanente. Em razão do processo de apoptose, nem todas as células iniciadas dão origem a um tumor. Na fase de

promoção, os eventos epigenéticos influenciam a proliferação ou a apoptose da célula iniciada, podendo começar a

proliferação local. No estádio de progressão, o tumor adquire características de malignidade, tornando­se infiltrativo e

metastático (Figura 1.9).

Alguns agentes químicos podem agir como iniciadores, promotores, ou ambos, dependendo das propriedades químicas

de cada um ou de seus metabólitos, assim como do mecanismo de lesão que produzirão. A fase de iniciação desencadeia­se

pela exposição ao agente carcinogênico, o iniciador. Tem a característica de ser rápida e irreversível e, em geral, é causada

por lesão no DNA, que produz mutação permanente. Nem todas as células iniciadas originam um tumor, pois muitas são

eliminadas pelo processo de apoptose. A replicação e a divisão consequentes são fundamentais na conversão de uma

modificação química do DNA em uma mudança herdada.

A fase de promoção representa uma etapa de eventos epigenéticos que influenciam a proliferação ou a apoptose das

células iniciadas, resultando em sua proliferação e expansão clonal. Ao contrário dos agentes iniciadores, os promotores

não afetam diretamente o DNA e seus efeitos são reversíveis.

Na sequência, ocorre a fase de progressão, quando, então, o tumor se torna maligno, com grande capacidade de

infiltração tecidual e de disseminação metastática.

Foram identificados vários compostos naturais e sintéticos que iniciam a carcinogênese. Algumas substâncias

oncogênicas têm capacidade de induzir o desenvolvimento neoplásico, mesmo na ausência de elementos promotores, sendo

classificadas como agentes de ação direta, ou como carcinógenos completos (são carcinogênicos por si próprios). Os

agentes de ação indireta ou pró­carcinógenos são metabolicamente convertidos in vivo no carcinógeno final (Quadro 1.4).

As estruturas químicas dos carcinógenos incluem hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, aminas, nitrosaminas e agentes

alquilantes.

Figura 1.9 Tumorigênese pelos mecanismos de iniciação e promoção. DNA = ácido desoxirribonucleico.

Apesar de a carcinogênese química no ser humano ser amplamente pesquisada, não está bem documentada a importância

da exposição de cães aos agentes químicos na etiologia do câncer. A maioria das informações sobre a carcinogênese

química, como a dos aditivos dos alimentos e a das embalagens de vinil (PVC, policloreto de vinil) e as contaminações

ambientais, provém da bibliografia médica. Mesmo assim, esses resultados são de valia para a Medicina Veterinária, pois

muitos agentes carcinogênicos são estudados e avaliados em animais domésticos. Por exemplo, comprovou­se

experimentalmente o desenvolvimento de câncer de bexiga em cães, após a administração de ciclofosfamida, o que também

pode acontecer no ser humano.

Quadro 1.4 Principais carcinógenos químicos.

De ação direta

Betapropiolactona

Etilmelanossulfona

Dimetil sulfato

Mostarda nitrogenada

Metilnitrosureia

Diepoxibutano

Fármacosantineoplásicos, comociclofosfamidaeclorambucila

De ação indireta

Benzopireno

Dimetilnitrosamina

Cloretodevinil

2-naftilamina

Sassafrás

A쒷▢atoxina B1

Benzidina

Em alguns estudos, ficou demonstrado que o ser humano e o cão têm reações semelhantes às substâncias cancerígenas.

A convivência estreita entre ambos faz com que os animais de companhia estejam expostos a esses agentes, embora muitas

vezes de maneira indireta ou passiva. Por exemplo, embora não se tenha descrito o desenvolvimento de tumores em cães

expostos à fumaça ambiental do cigarro, experimentalmente a inalação direta provocou o aparecimento de carcinomas

pulmonares em cães. Recentemente, por meio de pesquisas realizadas em cães fumantes passivos, detectou­se aumento nas

células de defesa, como linfócitos e macrófagos. Além disso, detectou­se antracose, lesão com potencial precursor para

doença respiratória, incluindo o câncer pulmonar.

Em cães, a exposição aos inseticidas que contêm organofosforados, carbamatos e piretroides está associada ao

desenvolvimento de carcinomas de bexiga. Observou­se aumento no risco de desenvolver câncer de bexiga associado às

aplicações tópicas de inseticida em cães. Nesses animais, a obesidade foi um fator adicional de risco, provavelmente

porque a maioria dos inseticidas é lipossolúvel e tende a se depositar no tecido adiposo.

Experimentalmente, a exposição aos carcinógenos, como hidrocarbonetos aromáticos e nitrosaminas, induziria o

desenvolvimento de cânceres de estômago, pulmão e fígado em cães.

Algumas publicações relatam que o agente herbicida ácido 2,4­diclorofenoxiacético (2,4­D) é carcinogênico para

linfomas em cães.

Como no ser humano, a exposição de ordem ambiental a agentes carcinogênicos implica o desenvolvimento de várias

neoplasias, pois foram diagnosticados carcinomas de células escamosas em amígdalas e língua de cães que permanecem

em áreas poluídas com a industrialização de fumo.

A exposição ao asbesto foi carcinogênica para o ser humano e o cão, os quais desenvolveram tumores, como o

mesotelioma.

A relação entre composto químico e origem do câncer está exemplificada pela aflatoxina B, uma proteína tóxica

encontrada em nozes e amendoins responsável pela alta incidência de câncer hepático em populações asiáticas que

consomem esse tipo de alimento. O componente químico da aflatoxina B causa a substituição da base nitrogenada guanina

por timina no códon 249, que faz parte do gene supressor de tumor p53.

Entre os mecanismos responsáveis pela mutagênese, propõese que vários compostos não polares sofram ativação

metabólica. E assim se formam intermediários que reagem com o DNA. Os carcinógenos são metabolizados pela ação de

complexos enzimáticos do animal, e as substâncias resultantes reagem covalentemente com o oxigênio e o nitrogênio do

DNA. As enzimas biotransformadoras presentes no retículo endoplasmático inativam os oncogênicos químicos e podem

transformá­los em compostos eletrofílicos (deficientes em elétrons), que reagem de forma covalente com o DNA. A

suscetibilidade à ação dos carcinógenos varia de acordo com seu perfil enzimático e com a habilidade em metabolizar esses

compostos em reagentes eletrolíticos, reativos com o DNA, ou metabólitos excretáveis. A potência carcinogênica varia de

acordo com as espécies ou os tecidos, de acordo com as diferenças metabólicas. Por exemplo, o sistema enzimático de

cobaias não converte o 2­acetilaminofloeno em seu derivado hidroxilado, que se liga ao DNA, não apresentando câncer

hepático quando alimentados com aflatoxinas.

Em virtude das variações do potencial dos agentes oncogênicos, estes são identificados como pré ou pró­carcinógeno,

carcinógeno intermediário e carcinógeno final. O pré­carcinógeno necessita de ativação metabólica para se transformar em

substância cancerígena. O carcinógeno intermediário é um metabólito do pré­carcinógeno na via metabólica para a

transformação do cancerígeno final que reage, de forma covalente, com o DNA da célula.

Recentemente, observou­se que os radicais livres podem ser excessivamente produzidos, em certas circunstâncias, como

no processo inflamatório. Os radicais livres, como oxigênio (O2), H3O e óxido nítrico, podem ser produzidos por fagócitos

ativos, como leucócitos, polimorfonucleares e macrófagos. Têm um elétron não pareado que torna o radical ativo. A

evidência de que os radicais livres induzem a transformação neoplásica é reforçada pelo fato de que os antioxidantes que

impedem a formação de radicais livres inibem a ação carcinogênica.

O conhecimento e o domínio da carcinogênese química são fundamentais, pois oferecem dados ou subsídios para a

quimioprevenção. Esta consiste no emprego de agentes químicos naturais ou sintéticos com o propósito de reverter,

suprimir ou prevenir a progressão do câncer invasivo. De acordo com suas ações, os agentes quimiopreventivos são

classificados em:

• Agentes que previnem a bioativação: são as substâncias que agem nas enzimas do citocromo P450, inibindo sua ação.

Um exemplo é o dialil­sulfeto encontrado no alho, que inibe as enzimas microssômicas da família P450: Cyp2B1 e

Cyp2E1

• Substâncias bloqueadoras: as vitaminas E e C são antioxidantes e inativam metabólitos reativos, impedindo que estes se

liguem ao DNA

• Agentes supressores: suprimem o desenvolvimento neoplásico após exposição aos carcinógenos, como os retinoides,

que induzem a diferenciação em câncer de próstata e mama (no ser humano).

Carcinogênese física

Os carcinógenos físicos são representados por radiação, traumas e inflamações.

As radiações são consideradas agentes iniciadores do processo de neoplasias, são mutagênicas e causam lesão direta no

DNA da célula­alvo. A energia radiante, seja na forma de raios ultravioleta ou radiação ionizante, transforma células in

vitro e induz a gênese do tumor in vivo, tanto em seres humanos quanto em animais.

Em geral, há um tempo prolongado entre a dose iniciadora da radiação e o aparecimento de uma neoplasia maligna. Esse

fato sugere que a exposição aos agentes promotores está envolvida na proliferação de células que sofreram lesões pela

radiação e também no desenvolvimento final do tumor. Medula óssea hematogênica, tireoide e pele são alvos dos efeitos

deletérios das radiações.

Radiação ionizante

Nessa categoria, incluem­se as radiações eletromagnéticas (raios X e gama) e as de partículas C, partículas alfa e beta,

prótons e nêutrons. Esses carcinógenos fazem parte do ambiente natural e têm como fonte principal a radiação ionizante,

isto é, raios cósmicos, radônio e radiação terrestre, e cerca de 18% decorrem de fontes médicas e industriais. As radiações

ionizantes são identificadas como carcinógenos universais por terem capacidade de provocar câncer em quase todos os

tecidos, de todas as espécies, em qualquer idade, incluindo os fetos.

Conforme se observou nos sobreviventes das bombas atômicas de Nagasaki e Hiroshima, uma única exposição à

radiação ionizante foi suficiente para desencadear o desenvolvimento das neoplasias. Essas pessoas foram acometidas por

leucemias, principalmente mielocítica aguda e crônica, 6 anos depois, e por tumores sólidos aproximadamente 20 anos

após a contaminação. Até mesmo as radiações terapêuticas foram carcinogênicas, pois aproximadamente 10% das pessoas

irradiadas em razão de tumores na cabeça e pescoço durante a latência desenvolveram neoplasias de tireoide.

Encontram­se descritos na literatura casos de linfomas em cães que sofreram exposição às ondas eletromagnéticas.

Também há relatos de osteossarcoma com essa espécie em animais expostos ao estrôncio 90. A exposição à radiação gama

aumenta o risco de neoplasias de origem epitelial e mesenquimal em cães.

Há casos de cães acometidos por neoplasias pulmonares secundárias à inalação de plutônio 239, o qual tem origem em

partículas alfa. E, também, foram diagnosticados osteossarcomas em cães submetidos à quimioterapia intraoperatória.

Radiação ultravioleta

A radiação ultravioleta (UV) com comprimento de onda apropriado pode ser absorvida por bases de DNA e gerar

alterações nelas. A porção UV do espectro solar pode ser dividida em três faixas de onda, sendo 320 a 400 ηm (UVA), 280

a 320 ηm (UVB) e 200 a 280 ηm (UVC). Provavelmente, a radiação UVB é a responsável pelo desenvolvimento do câncer

de pele.

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