19,34,35 De modo geral, em pequenos animais, a prevalência e o comportamento dos vários tipos de melanomas

oculares diferem marcadamente, de modo que generalizações e, principalmente, comparações com a doença em seres

humanos devem ser evitadas. As neoplasias melanocíticas dos bulbos oculares eanexos, em pequenos animais, foram

divididas por Wilcock e Peiffer em duas categorias com base em suas características histopatológicas: melanocitomas

(benignos) e melanomas (malignos).

36 Tem sido utilizado desde então o termo melanocitoma para descrever o melanoma da

úvea ou do limbo com características benignas, pela sugestão de malignidade do termo melanoma propriamente dito. Neste

capítulo, será empregada tal classificação. Os tumores benignos são, portanto, definidos como melanocitomas e, quase

sempre, compõem­se por dois tipos celulares em diferentes proporções: o primeiro é uma célula grande, redonda e muito

pigmentada; e o segundo tipo é uma célula alongada ou estrelada. As figuras mitóticas são raras ou ausentes em ambos os

tipos.

O nevus da íris, também conhecido apenas como pintas, é clinicamente insignificante, mas pode ocorrer em cães como

pontos pigmentados não progressivos. O diagnóstico definitivo pode ser ocasionalmente dado com o apoio de citologia

aspirativa por agulha fina. Caso ocorra um diagnóstico inapropriado de melanoma, este pode causar uma enucleação ou

exenteração prematura e, obviamente, desnecessária. Histologicamente, os nevus são lesões bem circunscritas de

melanócitos não neoplásicos.

O melanocitoma da úvea anterior de cães é a neoplasia intraocular mais comum desta espécie. Tal neoplasia não está

relacionada com os melanomas oculares epitelioides de seres humanos, seja topograficamente, histologicamente, seja em

comportamento. Os diagnósticos clínicos e histopatológicos não são um problema, muito embora devam ser diferenciados

de outras possíveis manchas escuras localizadas na úvea, como o próprio nevus, os cistos de íris (Figura 27.9 A) na câmara

anterior e a heterocromia iridis (Figura 27.9 B), mas oferecer um prognóstico acurado para a neoplasia é mais complexo.

Os melanocitomas do bulbo ocorrem em várias localizações, mas a mais comum é a úvea, em particular na íris (Figura

27.9 C) e no corpo ciliar. Em cães, a maioria das neoplasias melanocíticas de íris (Figura 27.9 D), corpo ciliar e até mesmo

as de coroide tem comportamento biológico pouco agressivo, ao contrário do melanoma difuso de íris dos gatos e do

melanoma da cavidade oral, neoplasias extremamente malignas e com alto potencial metastático.

19 Todavia, todas as

neoplasias melanocíticas da úvea dos cães, benignas ou malignas, têm alto potencial para causar grandes complicações

locais por serem invasivas ou por proporcionarem alterações intraoculares. Tais neoplasias podem certamente provocar

danos em estruturas oculares adjacentes, por vezes invadindo a esclera e a órbita. Quando tal fato ocorre, há elevação

significativa das chances de acontecerem metástases.

37­39 Como exemplo de alteração histopatológica intraocular observada

nesses casos, cita­se a formação de uma membrana fibrovascular pré­iridiana (MFVPI), constatada clinicamente por

rubeosis iridis, que nessas neoplasias pode causar o desenvolvimento de outras doenças intraoculares, como o glaucoma.

Os critérios histológicos de anaplasia são discutíveis para distinguir os tumores benignos dos malignos e o índice

mitótico contra intuitivamente pode muitas vezes não ser um excelente indicador. A pigmentação entre os melanomas é

variável e formas amelanóticas ou pobremente melânicas podem ocorrer (Figura 27.10 A e B). Esse tipo de neoplasia com

menos pigmentos apresenta, em geral, comportamento mais maligno e é localmente agressivo. Ocasionalmente, esses

crescimentos tumorais invadem de modo difuso a úvea anterior e, mais raramente, a coroide

36

, sendo que alguns deles

causam metástases.

40 Mesmo entre alguns dos melanomas intraoculares mais malignos constatados em cães, a metástase

sistêmica tem sido pouco relatada. Isso está em completo contraste com o melanoma oral maligno de cães, que quase

sempre produz metástases. Em um estudo retrospectivo de 244 casos de neoplasias oculares melanocíticas, 56 eram

melanomas (23%), 188 melanocitomas (77%) e a maioria derivou da úvea anterior para ambos os tipos (95% e 75%,

respectivamente). Uma análise de sobrevivência desses animais demonstrou diferença significativa entre o grupo­controle e

o grupo de indivíduos apresentando melanoma, mas não houve diferença significativa quando o grupo­controle foi

comparado ao grupo com melanocitomas, sugerindo menor sobrevivência para o último.

41 Cabe aqui ressaltar que a

propedêutica principal para odiagnóstico de neoplasia intraocular é a oftalmoscopia indireta e a ultrassonografia, sendo esta

última de grande valia nos casos em que há opacidade dos meios oculares que impossibilite a oftalmoscopia, além de o

exame ultrassonográfico possibilitar a análise de estruturas extraoculares ou retrobulbares.

2,4,36 O diagnóstico diferencial

inclui proliferações não tumorais, cistos, alterações granulomatosas, metástases de neoplasias extraoculares e prolapsos de

íris.

2,4,36

Figura 27.9 A e B. Entidades clínicas com aparência de manchas escuras na úvea que devem ser diferenciadas das

neoplasias melanocíticas. C e D. Neoplasias melanocíticas da úvea anterior. A. Cisto de íris que se soltou da face posterior

da íris e fixou­se ventralmente na face anterior da íris, aproximadamente na posição de 5 h, na câmara anterior. B.

Heterocromia iridis. Extensa pigmentação marrom em localização dorsotemporal de uma íris azulada, uma variação normal

de pigmentação da úvea anterior. C. Melanocitoma na face anterior da íris, visível entre 4 e 5 h, em um cão com 9 anos,

da raça Boxer. Imagens cedidas por Laboco­UFPR. D. Cão, sem raça definida, 12 anos . É possível verificar a presença de

massa tecidual pigmentada no aspecto temporal da íris (asterisco branco). Nesta foto, é possível perceber a alteração da

pupila em decorrência do tumor. O exame histopatológico realizado após procedimento de enucleação revelou tratar­se de

um melanoma.

Quando há invasão da esclera perilimbal, os melanomas de úvea podem simular um melanoma epibulbar, sendo

importante diferenciá­los, já que pode haver diferenças quanto ao prognóstico e tratamento.

38 A eficácia de controle

metastático por meio da enucleação não foi comprovada. Esse fato, aliado à baixa porcentagem de ocorrência de metástase

em casos de melanoma de úvea anterior

36

, torna a técnica de enucleação um tanto quanto controversa para bulbos oculares

normotensos, sem inflamação

24 e sem o acometimento da esclera e da órbita. Iridectomia setorial éuma opção cirúrgica

quando há acometimento da úvea anterior.

24 Outras técnicas consideradas seguras e efetivas para massas pigmentadas e

isoladas na íris consistem na aplicação de laser Nd­YAG, não invasivo

42 e fotocoagulação a laser de diodo.

43

Por volta de 80% das neoplasias melanocíticas oculares são coroidais em seres humanos, mas são raras em cães. Nos

seres humanos, de modo diverso ao que ocorre em cães, o melanoma primário da coroide tem potencial metastático alto.

29

Existem, porém, relatos de melanoma canino coroidal com ocorrência de metástase.

44 Os tumores melanocíticos da coroide

em cães se apresentam com características mais comuns aos nevus coroidais e melanocitomas em seres humanos.

36,37 Em

decorrência de sua localização posterior, as neoplasias de coroide geralmente são diagnosticadas apenas após o

aparecimento de enfermidades oculares associadas, como deslocamento de retina, desenvolvimento da MFVPI ou

hemorragias intraoculares.

24 Essas neoplasias da coroide se apresentam em sua maioria em cães a partir de 8 anos de idade,

sendo que não há predisposição racial bem definida. As neoplasias da coroide são mais comumente relatadas como

alterações secundárias à extensão da neoplasia proveniente da úvea anterior e ainda são relativamente pouco descritas.

34,38,45

Segundo o que tem sido relatado, os cães da raça Beagle parecem estar sob maior risco quanto ao desenvolvimento de

neoplasias melanocíticas de coroide, ao passo que algumas raças altamente pigmentadas, como Pastor­alemão e Boxer,

apresentam maior incidência na úvea anterior.

29,34,45 Pode­se dizer que as raças Labrador Retriever, Golden Retriever,

Schnauzer e Cocker Spaniel são mais predispostas ao desenvolvimento de neoplasias melanocíticas.

46 Já se relataram

neoplasias melanocíticas uveais em Labrador Retriever, diagnosticadas quando o animal tinha de 1 a 2 anos de idade.

47 Nas

neoplasias melanocíticas benignas de coroide, as figuras mitóticas são praticamente ausentes, em contrapartida às de

comportamento maligno, que são bem mais comuns. As figuras mitóticas podem ser usadas para diferenciar

histologicamente o melanocitoma do melanoma, mas não têm valia prognóstica.

19 Novamente, a classificação benigna ou

maligna para essas neoplasias é certamente passível de muitos debates. Mesmo uma neoplasia dita benigna pode trazer

consequências muito deletérias para o bulbo ocular. Por exemplo, o glaucoma secundário decorrente da oclusão do ângulo

ciliar é visto comumente em neoplasias melanocíticas consideradas benignas ou malignas, uma vez que ambas apresentam

natureza expansiva.

18 No caso das neoplasias melanocíticas coroidais, a expansão neoplásica resulta em descolamento de

retina (Figura 27.10 C) localizado ou generalizado e infiltração neoplásica na retina ou no nervo óptico adjacente.

4

Clinicamente, não é possível diferenciar o melanoma do melanocitoma.

Figura 27.10 Aspecto histopatológico das neoplasias melanocíticas. A. Melanoma (maligno) da íris. Observam­se células

neoplásicas pleomórficas contendo grânulos de melanina em seu citoplasma e nucléolos evidentes. B. Melanoma (ainda

mais maligno) da úvea anterior. Observa­se proliferação de células pleomórficas, esféricas ou alongadas que exibem núcleo

grande oval e citoplasma moderadamente abundante e, algumas vezes, vacuolar. Nessa amostra, reconhece­se uma

discreta produção de pigmento melânico em apenas algumas células neoplásicas (seta vermelha). Nela, há anisocariose,

anisocitose e atipia nuclear. Figuras mitóticas são observadas com frequência (seta preta), algumas delas atípicas. C. Um

achado histológico frequente nas neoplasias intraoculares, em particular nas melanocíticas, é o descolamento de retina.

Para saber se o descolamento de retina ocorreu no processamento histológico (artefato) ou se antes da

enucleação/exenteração, observa­se hipertrofia do epitélio pigmentado da retina, dando aparência de lápide (tombstone).

Se a alteração (efeito lápide) existir, o descolamento de retina ocorre em decorrência da doença (pré­processamento

histológico). Magnificação: A = 200 ×; B = 400 ×; C = 1.000 ×. Coloração HE. Imagem cedida por Laboco­UFRP.

Os crescimentos tumorais de origem melanocítica são as neoplasias primárias intraoculares mais comuns nos gatos. Não

há predisposição clara conhecida de raça ou sexo e, em geral, a ocorrência de melanoma é maior em gatos idosos. Algumas

mudanças pigmentares em íris, incluindo um foco pigmentado localizado, são notadas com frequência anteriormente ao

desenvolvimento do crescimento tumoral melanocítico. Cabe lembrar também que podem ocorrer alterações melanocíticas

com a senilidade em gatos, fazendo com que manchas não neoplásicas se tornem visíveis (ver Figura 27.8 B). Nesses

casos, em geral há atrofia concomitante de íris (ver Figura 27.8 B). A uveíte crônica também pode estar associada a uma

forma benigna de aumento de pigmentação da úvea. A diferenciação entre condições não neoplásicas pode ser complicada,

porém é de extrema importância. O tumor melanocítico ocular mais comum em gatos é conhecido como melanoma difuso

da íris, porque tende a se expandir difusamente no estroma da íris, com subsequente invasão de corpo ciliar e esclera. O

melanoma difuso da íris dos gatos parece começar como uma alteração de pigmentação da íris. Essas mudanças de

pigmentação podem ocorrer anos antes da neoplasia realmente se manifestar. Quando essas lesões pigmentadas se

expandem, tornam­se nodulares ou distorcem o perfil da íris e da pupila. Nesse caso, a neoplasia já substituiu o foco

pigmentado. Histologicamente, nos estádios precoces da transformação neoplásica, as células neoplásicas raramente

mostram anaplasia citológica. Em estádios mais avançados da doença, o melanoma difuso da íris é caracterizado por três

perfis celulares distintos:

• A célula tumoral mais comum é redonda, pleomórfica, com quantidade variável de pigmentação citoplasmática

• As células alongadas compõem o segundo tipo mais comum

• As células em forma de balão são vistas de modo esporádico.

Os crescimentos tumorais podem ser compostos por um tipo celular apenas, ou por uma mistura dos três. Não existe

relação prognóstica com o tipo de célula neoplásica.

4 O melanoma difuso da íris dos gatos é uma doença maligna, embora

seu início e progressão sejam lentos. Os gatos que sofreram enucleação ou exenteração quando a doença já está avançada

(Figura 27.11 A) ainda têm risco de metástases sistêmicas para fígado (Figura 27.11 E), pulmões

48

(Figura 27.11 D) e rins.

Há relatos de que a taxa de metástase varia de 55 a 66% ou mais.

49 Aqueles em que o melanoma difuso foi removido de

modo precoce no processo da doença (pigmentação anormal da íris) não apresentam, em geral, risco de desenvolvimento de

doença sistêmica. Quando há suspeita ou diagnóstico de melanoma ocular, é necessária a realização de exame físico

completo, exame citológico de linfonodos para pesquisa de metástase (Figura 27.11 C), perfil bioquímico e técnicas de

imagem. Por meio de técnicas de imagem, pode­se avaliar tórax e abdome do animal, a fim de detectar se há presença de

metástases. A presença de doença metastática pode trazer informações importantes para direcionar a melhor forma de

tratamento a ser adotada.

50

O crescimento tumoral progride de forma lenta, inicialmente como alteração pigmentar assimétrica da íris, para depois

causar irregularidades da íris e, inevitavelmente, para glaucoma antes mesmo de se espalhar para o corpo ciliar, a esclera e

o segmento posterior do bulbo. O ideal é que a enucleação se realize antes do desenvolvimento do glaucoma clínico. Há

controvérsias em relação ao melhor tratamento. Considerando a taxa metastática do melanoma difuso de íris em gatos e o

longo período que se leva normalmente para demonstrar doença metastática, a enucleação precoce foi proposta pela

literatura. Alguns autores consideram que a enucleação seria o tratamento de escolha para gatos mesmo quando não há

evidências de metástases

50

, enquanto outros consideram que, idealmente, a enucleação deve ser adiada até o início dos

sinais de invasão para outras estruturas oculares, glaucoma secundário ou metástases. Porém, detectar o momento preciso

em que tais fatores podem vir a ocorrer raramente é possível.

49 O tratamento de escolha pode variar, dependendo da idade

do paciente, taxa de crescimento tumoral e presença de outras doenças concomitantes. A carboplatina e a doxorrubicina não

têm sido avaliadas para o tratamento de melanoma ocular, porém há estudos que demonstram que esses fármacos

aparentam ter eficácia no tratamento de melanoma em outros locais em felinos.

50

Figura 27.11 Gato, sem raça definida, 10 anos. Após histórico de trauma e ruptura da túnica fibrosa do bulbo ocular direito,

o animal foi submetido à exenteração A. O exame histopatológico revelou tratar­se de um melanoma difuso de íris. B.

Após esta constatação, realizou­se análise citológica do linfonodo submandibular cuja amostra fora colhida por meio de

biopsia aspirativa com agulha fina. No exame, verificou­se a presença de células redondas isoladas com pigmento negro

intracitoplasmático em quantidade variável e se constatou doença metastática – melanócitos neoplásicos (setas pretas;

panótico, 400 ×). Dois meses após a enucleação e 7 meses após o aparecimento dos sinais iniciais da doença ocular, o

paciente veio a óbito. C. Durante a necropsia, observou­se que o linfonodo submandibular direito apresentava­se

enegrecido, com consistência macia, em conformidade com o que o exame citológico sugeria. D. Revelou­se doença

metastática também nos pulmões. Havia nódulos de coloração clara e escura, com distribuição difusa neste órgão. E. O

fígado estava congesto e apresentava nódulos de coloração esbranquiçada (seta preta) e áreas enegrecidas difusas

(asterisco branco). F. O tamanho do baço estava maior, com alteração de coloração e forma, apresentando múltiplos

nódulos e massas, de coloração esbranquiçada e outras de coloração enegrecida, com consistência firme.

Outras neoplasias uveais primárias

Além das já citadas neoplasias melanocíticas, o adenoma e o adenocarcinoma são outras neoplasias primárias que ocorrem

com alguma frequência na junção corpo ciliar/epitélio ciliar da úvea anterior. Como a úvea se origina da crista neural e o

neuroepitélio da íris da neuroectoderma do embrião, os tumores do epitélio da íris (adenoma e adenocarcinoma) serão

discutidos a seguir.

Neoplasias do neurectoderma ocular

As neoplasias coletivamente denominadas neoplasias da neuroectoderma ocular são adenoma/carcinoma do epitélio ciliar

maduro, meduloepitelioma e retinoblastoma da neuroectoderma embriogênica. A prevalência dessas neoplasias

intraoculares é apenas menor do que a do melanoma da úvea anterior, embora esta seja talvez subestimada por serem

comumente adenomas pequenos e pouco expansivos e por não causarem, por vezes, sinais clínicos. Os adenomas ciliares

são os mais comuns desse grupo e a segunda neoplasia intraocular primária mais usual em cães e gatos. Esses

crescimentos tumorais são relativamente comuns em cães, mas um pouco mais raros em gatos. Nos cães, essa neoplasia é

habitual nas raças Golden Retriever e Labrador Retriever.

51,52 Clinicamente, apresentam­se como massas róseas, marromescuras ou pretas, e em muitos casos são visíveis através da pupila na câmara posterior (Figura 27.12). Deve­se suspeitar

de neoplasias epiteliais (adenoma/adenocarcinoma) iridociliares nos casos de glaucoma ou hemorragias intraoculares em

que o meio está opaco e a observação direta do tumor é impossível. Nesses casos, imagens ultrassonográficas podem

ajudar muito a delinear a massa na câmara posterior. No entanto, deve­se tomar o cuidado de se avaliar histologicamente

todo o bulbo do olho antes de descartar tumores iridociliares pequenos. O glaucoma é uma complicação frequente, em parte

pelo fato de esses tumores estarem associados à formação de MFVPI, a qual pode causar sinéquia anterior periférica ou

membranas neovasculares ou fibrovasculares, que obstruem o ângulo iridocorneano. As neoplasias do corpo ciliar induzem

tal neovascularização com maior frequência do que qualquer outra doença ocular. A hialose asteroide (Figura 27.13 A) é

outra condição associada à frequência desses tumores. Histologicamente, essas neoplasias são adenomas bem diferenciados

papilares ou tubulares, que surgem do epitélio ciliar pigmentado ou não. A maioria se origina da pars plicata, mas,

ocasionalmente, a histologia aponta como origem o epitélio posterior da íris. As células tumorais lembram o epitélio ciliar

maduro e em geral têm pouco estroma associado. As neoplasias com pouca organização papilar ou tubular, ou com

crescimento localmente invasivo (Figura 27.13 B), são tradicionalmente chamadas carcinomas ciliares. Nessas neoplasias,

as metástases são muito raras. A diferenciação de neoplasia primária para carcinomas metastáticos pode ser um problema.

A presença de epitélio pigmentado, membranas basais positivas para ácido periódico de Schiff (PAS, periodic acid Schif ),

secreção de ácido hialurônico e coloração imunocitoquímica positiva para vimentina ou proteína S­100 podem ser

marcadores úteis na diferenciação.

51­53

Figura 27.12 Cão, Labrador, 9 anos, apresentando massa rósea e bem delimitada no corpo ciliar, visível logo atrás da íris

entre 1 e 4 h. Após a enucleação, o exame histopatológico demonstrou tratar­se de um adenoma de corpo ciliar. Imagem

gentilmente cedida por Aline Adriana Bolzan.

Figura 27.13 Cão da raça Cocker Spaniel, 10 anos. A. É possível observar a presença de hialose asteroide (seta) que

apareceu como primeiro sinal clínico de uma massa neoplásica localizada atrás da íris. Imagem cedida por Laboco­UFPR.

B. Outro caso de uma amostra (bulbo ocular enucleado) de um cão com 8 anos, em que o exame histopatológico ocular

revelou proliferação em cordas de células epiteliais discretamente diferenciadas que se estendem até o aspecto mais

interno da esclera e córnea, formando estrutura glandular irregular. Embora haja indícios de potencial invasivo, metástases

dessa neoplasia são raríssimas. Diagnóstico: adenoma/adenocarcinoma iridociliar. Magnificação: A = 200 ×. Coloração HE.

Os meduloepiteliomas e os retinoblastomas surgem da neuroectoderma primitiva e são vistos primariamente em animais

jovens. Em seres humanos, o retinoblastoma é a segunda neoplasia mais comum da infância, ao passo que os

meduloepiteliomas são raros em crianças. Esse último, no entanto, é muito comum em cavalos, sendo provavelmente o

tumor primário intraocular mais habitual nessa espécie. A neoplasia pode se originar da porção embriogênica da

neuroectoderma e pode mostrar diferenciação para qualquer derivativo neuroectodérmico: retina, epitélio ciliar, vítreo ou

neuroglia. Clinicamente, os meduloepiteliomas são reconhecidos pela presença de uma massa vista pela margem pupilar ou

que se infiltra na câmara anterior. Algumas neoplasias do fundo como essas podem ser reconhecidas como uma reflexão

branca posterior ao cristalino (leucocoria) durante o exame oftálmico ou por acidente mediante a análise retroativa de

fotografias da face (do mesmo modo que pode acontecer com fotos de crianças). Na fundoscopia, as protrusões tubulares

distintas são vistas algumas vezes se estendendo a partir da massa original ou flutuando livremente. Na histopatologia, o

aspecto histológico típico é de uma rede frouxa de cordas ramificadas, com pequenos neuroblastos basofílicos que lembram

os da retina embriogênica. São células pequenas, primitivas, pobremente diferenciadas, de estelares a arredondadas, sendo

o achado histológico característico a formação de rosetas, caracterizadas pela agregação de células neoplásicas que forma

uma estrutura tubular definida (rosetas de Flexner­Wintersteiner). As figuras mitóticas são em geral numerosas. Embora

existam alguns relatos, o retinoblastoma é considerado muito raro nos animais, em particular nos cães, mas pode ser

diferenciado de meduloepiteliomas pela imuno­histoquímica. Em um caso relatado de retinoblastoma em cães,

encontraram­seno tumor áreas fotorreceptoras de retina e diferenciação glial. Um grupo multi­institucional relatou a

ocorrência de retinoblastoma em uma lhama (Llama glama).

54 Algumas neoplasias contêm focos de cartilagem, músculo

esquelético ou tecido cerebral e são classificadas como meduloepiteliomas teratoides. O aparecimento de metástases

distantes de meduloepiteliomas nos cães é raro, mas pode ocorrer.

4

Schwannomas de cães de olhos azuis

Os schwannomas na íris, antigamente batizados de neoplasias de células alongadas dos cães de olhos azuis, apresentam­se

como massas nodulares não pigmentadas da úvea anterior. A estrutura da íris e do corpo ciliar é distorcida em decorrência

da presença de uma massa sólida composta por células alongadas pleomórficas mostrando uma complexa interdigitação

com colágeno estromal. Algumas características citológicas sugerem que esses tumores tenham origem em nervos

periféricos. Curiosamente, todos os tumores desse tipo já relatados se apresentaram em animais com olhos azuis. Já foi

relatado, inclusive, em um cão sem raça definida no Brasil

55

. Os cães da raça Husky Siberiano são os mais afetados, mas

muitas outras raças também podem ser acometidas.

4 A enucleação é curativa, porém há um relato de metástase.

56

Sarcoma pós-traumático felino

Essa síndrome neoplásica parece ser única em gatos. Como o nome já implica, olhos submetidos à trauma, em especial a

lesões penetrantes, estão propensos a desenvolver sarcomas pleomórficos de células alongadas fusiformes, que destroem o

bulbo ocular felino e têm risco substancial de metástases. O intervalo entre a agressão e o aparecimento do tumor varia de

5 meses a 11 anos. O risco de desenvolvimento da neoplasia nos olhos após a lesão é desconhecido. Um dado interessante

é que a grande maioria dos olhos que desenvolvem sarcoma póstraumático encontrava­se já cega por algum tempo e/ou

com phthisis bulbi. Tal fato é usado com frequência como argumento para a recomendação da enucleação de olhos cegos

em gatos.

Em quase todos os casos relatados, o olho sofreu perfuração de cristalino, provocando a especulação de que esses

tumores representam uma transformação maligna da fibroplasia perilenticular e metaplasia epitelial, que caracteriza a uveíte

facoclástica em todas as espécies. Clinicamente, é relevante para cirurgiões oftalmologistas o desenvolvimento de sarcomas

em olhos de gatos que receberam implantes protéticos, provavelmente enfrentados pelo olho ainda como outra forma de

trauma. Uveítes crônicas, glaucomas crônicos e cirurgias de catarata já foram relacionados com o aparecimento do sarcoma

intraocular em gatos.

As neoplasias são em geral reconhecidas como uma mudança na forma ou na cor do olho que tipicamente já se

apresentava cego. O sarcoma pós­traumático tem um padrão de distribuição característico dentro do bulbo ocular. A

neoplasia varia de fibrossarcoma e osteossarcoma até um tumor de células gigantes, variando dentro de um mesmo olho,

inclusive. A menos que o tumor seja detectado em fases avançadas, essas neoplasias aparecem em geral distribuídas de

modo circunferencial no bulbo, próximas à úvea anterior e/ou se estendendo via plexo venoso esclerótico ou até o nervo

óptico. Tais neoplasias podem envolver a órbita, ou ainda, dependendo de sua invasividade, estender­se até o cérebro. Em

muitos casos, todo o bulbo do olho está preenchido com tecido sólido opaco, embora a neoplasia possa estar limitada

apenas à periferia.

A maioria dos casos é apresentada em fase avançada da doença. As metástases são frequentes e parecem ocorrer em

cerca de 60% dos casos.

4

Neoplasias da retina e do nervo óptico

As neoplasias de retina são raras nos animais domésticos e costumam aparecer na área central da retina perto ou contínua

ao nervo óptico.

19 Quando acomete o nervo óptico, causa cegueira. As neoplasias já descritas incluem astrocitomas e

tumores da neuroectoderma primitiva extendendo­se para a retina do corpo ciliar.

18

Embora o nervo óptico e a retina adjacente possam desenvolver todas as neoplasias do sistema nervoso central (exceto

aquelas de tecido tipo epêndima, que não estão presentes no olho), exemplos documentados são, de fato, escassos. A

maioria é apresentada como casos individuais relatados anteriormente à era dos marcadores imunoistoquímicos, que

permitiriam uma classificação mais precisa.

Alguns crescimentos tumorais neuroepiteliais primitivos do nervo óptico são ocasionalmente vistos em cães jovens e

cavalos. Tais massas são compostas por “ninhos”, cordas e estruturas tipo rosetas, formadas por células neuroblásticas

hipercromáticas com índice mitótico muito elevado. Uma expansão muito rápida pela órbita e pelo cérebro ocorre em cães

afetados.

Os meningiomas orbitais em cães são neoplasias raras, mas únicas, ocorrendo por invasão das meninges do nervo óptico

até os tecidos conjuntivos da órbita. Esses tumores se caracterizam por massas aderidas à porção posterior do bulbo,

expandindo­se de modo circular no nervo óptico conforme este se aproxima do cérebro. Embora o nervo propriamente

sofra leve compressão, sua invasão não é proeminente. Já a invasão dos tecidos adiposo e muscular é extensa e as células

neoplásicas tendem a se agregar em grupos (clusters) invasivos. Esse tumor é facilmente confundido com carcinomas

primários ou metastáticos.

Os astrocitomas do nervo óptico e da retina já foram documentados em cães e em gatos como neoplasias esporádicas e

muito raras. A aparência morfológica e histológica é similar aos astrocitomas encontrados no sistema nervoso central.

4 O

tratamento das neoplasias de nervo óptico é a exenteração.

Linfoma ocular

Embora o linfoma não seja considerado um tumor primário clássico quando ocorre no bulbo ocular ou em estruturas

adjacentes, é um tumor ocular relativamente comum em cães e gatos e pode ter várias manifestações clínicas.

4 Dessas, a

mais frequente é a infiltração difusa ou parcial na úvea (Figura 27.14 A), com presença de sinéquias posteriores ou hipópio

linfocítico, como parte do linfoma generalizado. Pode ainda ocorrer na forma de doença conjuntival secundária ao

disseminada (Figura 27.14 B e C). Todavia, casos primários de linfoma ocular conjuntival de células B foram

recentemente relatados, inclusive no Brasil.

57 O acometimento das estruturas oculares no linfoma multicêntrico, em cães e

gatos, é relativamente comum e, muitas vezes, os sinais oculares aparecem antes dos sistêmicos. O linfoma pode acometer

pálpebras, córnea, úvea, conjuntiva, terceira pálpebra e tecidos orbitários.

18 Os achados mais frequentes são aqueles

secundários a uveítes, como hifema, hipópio, flare, iris bombé e rubeosis iridis. O glaucoma secundário é uma

complicação comum do linfoma ocular. O grau de inflamação é variável e, em algumas vezes, é possível visibilizar uma

massa uveal no exame oftálmico. Outras alterações do linfoma ocular incluem quemose conjuntival e aumento de volume

da terceira pálpebra. Geralmente, os sinais são bilaterais, podendo ser unilateral em alguns casos. Quando o linfoma

acomete a região retrobulbar, o olho apresenta exoftalmia com diminuição da retropulsão.

O linfoma intravascular é uma rara condição no qual os linfócitos neoplásicos estão localizados apenas no lúmem dos

vasos sanguíneos. Os achados mais frequentes são intensa uveíte, descolamento de retina e glaucoma secundário.

18 Apenas

com o exame histopatológico do bulbo ocular é possível chegar ao diagnóstico.

Sarcoma histiocítico

O sarcoma histiocítico é uma neoplasia sistêmica, assim como o linfoma, e o acometimento ocular pode ser a primeira

manifestação da doença. Geralmente, essa manifestação é unilateral e raças como Rottweiler, Labrador Retriever e Golden

Retriever são predispostas. O envolvimento ocular geralmente é episcleral ou orbitário, mas pode acometer a úvea também.

A expectativa de vida após o diagnóstico é baixa.

18

Figura 27.14 Algumas formas de apresentação do linfoma ocular em pequenos animais. A. Gato, sem raça definida, 8

anos, apresentando massa esbranquiçada/rósea entre 7 e 11 h. O exame histopatológico após a realização de enucleação

revelou tratar­se de linfoma. B. Linfoma conjuntival bilateral em gato positivo para leucemia viral felina.

Outras neoplasias oculares de raro diagnóstico

Osteossarcoma intraocular primário de cães

Muito ocasionalmente, observam­se osteossarcomas intraoculares primários nos cães. A massa neoplásica do

osteossarcoma é tipicamente composta por células mesenquimais produtoras de osteoide caracteristicamente localizada na

úvea.

58 As neoplasias já relatadas não estavam relacionadas com ruptura de cristalino, trauma ou deposição de osteoide

metastático. Até a presente data, poucos casos foram relatados.

Plasmocitoma extramedular intraocular

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Michau et al. relataram um caso de proliferação neoplásica intraocular de plasmócitos acometendo principalmente a íris de

um gato com 8 anos.

59 O respectivo linfonodo mandibular também apresentava a mesma população de células.

Considerações finais

As neoplasias oculares representam uma crescente preocupação na Oftalmologia Veterinária. Para estabelecer um

diagnóstico preciso dessas doenças oculares, é de grande importância a participação de um profissional treinado e com

experiência em patologia ocular veterinária. Nesta área, tanto o oftalmologista como o patologista veterinário podem se

beneficiar muito quando trabalham em conjunto. Um exame clínico minucioso aliado aos procedimentos de diagnóstico

avançado além do emprego de radiografia, ultrassonografia, tomografia computadorizada ou ressonância magnética são

imprescindíveis para determinar natureza, origem, localização e extensão da neoplasia ocular, facilitando o trabalho daquele

responsável pelo exame histopatológico. Além de um profundo conhecimento do comportamento das diferentes doenças

neoplásicas do olho, acredita­se que o principal instrumento para o diagnóstico e também para a sugestão de um

prognóstico nos casos de neoplasias do bulbo do olho seja definitivamente a patologia ocular veterinária, uma

subespecialidade fascinante com inúmeras possibilidades de estudo, havendo certamente vasto material de característica

singular a ser estudado no Brasil. O conhecimento dos dados estatísticos e da prevalência dos tumores relacionados com o

bulbo do olho, considerando­se espécie animal, idade, localização e extensão, é útil e ajuda a chegar a uma melhor

conclusão quanto ao diagnóstico e ao prognóstico. O diagnóstico precoce é decisivo para a condução clínica ou cirúrgica de

cada caso de neoplasia ocular e sucesso terapêutico. Este texto atualizado e expandido cumprirá o papel de trazer muitos

desses dados ao clínico de pequenos animais especializado em Oftalmologia ou Oncologia Veterinária. Algumas das

informações apresentadas aqui podem contribuir para a realização de um tratamento mais eficaz e um prognóstico mais

preciso de neoplasias oculares.

Referências bibliográficas

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